Por: Daniela Diniz

Diretor de Educação Corporativa do GPTW

Por: Daniela Diniz

Diretor de Educação Corporativa do GPTW

15 junho, 2020 • 7:13

A pandemia causada pelo novo coronavírus vem catalisando práticas, processos e hábitos que já se mostravam em curso. Pesquisas de diferentes setores e de diferentes naturezas (inclusive as realizadas pelo Great Place to Work) já apontavam para um mundo mais digital, organizações mais fluidas e menos hierárquicas, consumidores mais tecnológicos e uma sociedade cada vez mais conectada. Muitos de nós já caminhávamos nessa rota. Muitos de nós já fazíamos uma ou outra compra por meio de apps. Muitos de nós já trabalhávamos uma a duas vezes por semana de casa. Muitos de nós já lideravam ou lideraram times a distância por algum período. A diferença entre o que fazíamos até março de 2020 ao que começamos a fazer a partir desta data é a frequência e a intensidade. E esse é um caminho sem volta.

Se antes estávamos caminhando para um futuro digital, hoje tivemos de desenvolver asas e passar a voar diretamente para esse futuro. A fase da transição, a que estávamos presos há algum tempo, desapareceu. Como disse recentemente Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, hábitos e comportamentos que durariam anos para mudar, irão se consolidar rapidamente. “Serão cinco anos em cinco meses”, disse em entrevista ao jornal Valor Econômico, no mês de abril. Meirelles foca no hábito do consumidor, especialmente o de baixa renda, e vê uma digitalização muito forte nas relações de consumo no Brasil. Uma pesquisa recente realizada pelo Instituto Locomotiva apontou que quem comprava pouco online passou a comprar mais. Quem não comprava passou a comprar. E a tendência, segundo a mesma pesquisa, é que ambos os públicos não voltem para os hábitos tradicionais de consumo após a pandemia. A digitalização veio para ficar – e não é apenas nas relações de consumo, mas em todo tipo de relação humana – impactando, portanto, a gestão de pessoas.

Presença digital  

Entre as 150 melhores empresas para trabalhar, 82% disseram que adotam horário flexível e 61% que estimulam o home office entre suas equipes. Os dados são referentes ao ranking das Melhores Empresas para Trabalhar no Brasil de 2019, divulgado em agosto. Hoje, temos várias pesquisas de mercado sobre o tema home office e sua tendência após a pandemia.

Uma das mais recentes, publicadas pela consultoria Cushman & Wakefield, que ouviu 122 executivos de multinacionais que atuam no Brasil, afirma que 73,8% das empresas pretendem instituir o home office como prática definitiva no país. Antes do isolamento, quase metade (42,6%) dessas empresas nunca tinham adotado a prática e 23,8% estavam ainda em fase de análise desse modelo de trabalho. A pergunta que tenho ouvido de muitos líderes de RH não é como ou quando voltar, mas por que voltar?

Empresas como Twitter e XP já afirmaram que, independentemente de a pandemia acabar no segundo semestre, nenhum de seus funcionários precisará voltar ao escritório físico até dezembro, com planejamento para estender em definitivo o modelo remoto. Se o home office irá atingir todas as empresas ainda é precoce para afirmar, especialmente porque em indústrias a presença física do trabalho ainda se faz necessária. Mas é certo que o que apontávamos como tendência para os próximos cinco anos – escritórios conceitos, menos estações de trabalho – vai se consolidar já no próximo ano. Com isso, a tecnologia ganha força.

Reuniões físicas que foram substituídas por vídeo conferências serão parte da nova rotina, estimulando a exploração de ferramentas online até então usadas esporadicamente ou com metade de sua capacidade. Viagens de negócios devem ser reduzidas e resolvidas através das telas. O mesmo vale para os eventos. Parte deles devem voltar ao seu formato físico para estimular encontros presenciais em meio à avalanche tecnológica a qual seremos (já estamos) submetidos. Mas outra boa parte será transformada em experiências digitais ou uma mistura das duas formas.

Conectividade x cultura organizacional

Se o primeiro desafio das empresas foi estabelecer um novo ritmo e modelo de trabalho em tão pouco tempo (do presencial para o digital), um outro desafio já começa a impactar a agenda da gestão de pessoas: como manter a cultura quando as paredes da empresa já não estão aqui e os funcionários se mantêm espalhados? A cultura de uma empresa tem algo de invisível e indizível que num mundo digital parece ficar ainda mais difícil de expressar. Se a distância veio para ficar, gestores de recursos humanos do mundo todo estão agora se perguntando: como faço para manter a cultura da empresa viva na casa de cada um dos funcionários?

A resposta ainda está em fase de experiência, mas sabemos que a comunicação e o alinhamento da liderança serão os canais essenciais para manter os valores e propósito acesos, independentemente de onde cada um trabalhar. Mas essa questão exige uma reflexão mais profunda que, assim como a história do home office, vai além de responder o como, mas em indagar alguns porquês. Afinal, a maneira como iremos nos relacionar com a nossa empresa (e, portanto, com sua cultura) também vai sofrer alteração.

Não podemos, talvez, esperar o mesmo tipo de relacionamento que os profissionais tinham com as empresas na era pré-digital. Relações estáveis não combinam num mundo instável e imprevisível. Portanto, o relacionamento entre empresa e profissional deverá ser mais fluído, mais leve e menos possessivo. Talvez, trabalharemos mais dentro de um grande ecossistema, entregando diferentes tipos de projetos e menos dentro de uma única empresa. A questão, portanto, não está apenas em como vamos transmitir nossa cultura, mas qual cultura queremos transmitir no novo mundo do trabalho?

Liderança a distância

Outro ponto impactado pela digitalização dos hábitos é a liderança. Embora batido e rebatido há mais de vinte anos, o modelo “comando e controle” ainda era praticado no mundo presencial. Ainda que velado, o líder que podia ver seu time em campo se sentia seguro de que o resultado viria de alguma forma. A gestão subjetiva pautada na presença física ficou explícita quando muitos gestores foram obrigados a liderar a distância. Como saber se João ou Maria estão realmente trabalhando? Como verificar se os clientes foram realmente abordados por José? Como ter certeza que o almoço não ultrapassou o limite? Não dá para saber, nem verificar nem ter certeza. A liderança – se ainda não era – terá de ser exercida na base da confiança. E isso requer habilidade e disciplina.

Habilidade para saber delegar e comunicar exatamente o que se espera, alinhando expectativas, e disciplina para estabelecer os objetivos e meta de todos. O combinado não sai caro. E o líder digital precisará exercer mais do que nunca seu poder alinhamento e foco. Assim como a mudança no hábito de consumo, bastaram vinte dias para derrubar o comportamento de vinte anos. E quem ainda não mudou, não tem outro caminho, senão mudar.

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6 Comentários

  • Postado por: Alexandre de Souza •

    Parabéns Daniela!
    Muito preciso e esclarecedor o artigo.
    Obrigado pela gentileza.

  • Postado por: Débora Raquel •

    Que artigo rico!
    Muito obrigada Daniela e parabéns pela objetividade.

  • Postado por: Maryse Storel •

    Muito bom, adorei!
    Direto, objetivo e ágil, como a nova ordem dos negócios.
    Obrigada!

  • Postado por: Marcos Hamsi •

    Excelente matéria,

    A Covid-19 tirou muitos executivos do comodismo digital, acelerou todas as decisões e mostrou que ser digital em todos seus aspectos só tornou as empresas mais ágeis.

    Abraço,
    Marcos Hamsi

  • Postado por: Jakqueline •

    Muito bom, Daniela Muito esclarecedor!!!

  • Postado por: Márcio Pereira •

    Excelente artigo!
    Compartilhando com as da minha empresa!
    Muito obrigado!

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