Por: Tatiana Iwai

Professora e pesquisadora de comportamento organizacional e liderança no Insper

Por: Tatiana Iwai

Professora e pesquisadora de comportamento organizacional e liderança no Insper

17 junho, 2021 • 6:37

Com a pandemia do Covid-19, poucas certezas permaneceram inabaláveis. A ideia, por exemplo, de que o trabalho remoto não funciona em larga escala e prejudica produtividade, não se mostrou real. Estudo recente da Harvard Business School que analisou e-mails e reuniões de mais de três milhões de pessoas, mostra que nossos dias de trabalho estão mais longos e estamos sendo demandados com mais reuniões. Mas as pessoas estão exaustas de várias formas. Se antes da pandemia as pessoas nutriam um desejo antigo de poder trabalhar de casa e o trabalho remoto parecia um sonho, um ano de pandemia depois o modo de trabalho remoto não parece mais tão perfeito assim. Estamos cansados de encontros virtuais, de trabalhar de pantufas e da mesa de jantar ter se tornado nossa bancada de trabalho. O escritório físico e o cafezinho (de verdade) nunca pareceram tão charmosos.

Estudo conduzido pela Microsoft com mais de 30.000 trabalhadores em 31 países ajuda a iluminar o que aconteceu durante este quase um ano de pandemia e seus efeitos no futuro do trabalho. O estudo mostra que mais de 70% dos trabalhadores desejam que a opção de trabalho remota se mantenha. Por outro lado, cerca de 65% anseiam por mais trabalho e colaboração presenciais. Entre os dois mundos, remoto e físico, o modelo de trabalho híbrido – que alterna o trabalho remoto em alguns dias da semana com o presencial em outros – parece trazer o melhor de ambos.

A possibilidade do trabalho remoto nos dá maior flexibilidade e controle sobre o uso de nosso tempo (de horários preferenciais de trabalho a tempo gasto com deslocamento casa-trabalho-casa). Mais que isso, ele abre oportunidades de flexibilidade geográfica ao colaborador sobre onde morar. Por exemplo, hoje, discute-se a ideia de “trabalhar de qualquer lugar” (WFA – work from anywhere). Se o trabalho remoto funciona, então por que o colaborador precisa estar geograficamente próximo do escritório? A resposta é: não precisa. Evidência disto é que, no estudo da Microsoft, 46% dos colaboradores estão propensos a se mudar para uma nova localização, porque agora podem trabalhar remotamente. E, às empresas, o híbrido abre oportunidades mais amplas de contratação, já que o conjunto de potenciais candidatos não é mais restrito por localização.

O modelo híbrido contorna ainda alguns dos problemas que sempre foram uma pedra no sapato no 100% remoto. As trocas sociais e colaboração, por exemplo, são assuntos mal resolvidos na modalidade remota, porque elas se sustentam em parte nos encontros casuais, informais e não-planejados. Esbarrar com fulano no café ou no corredor permite aquela conversa que, mesmo breve, pode resolver rapidamente um problema, tirar uma dúvida, compartilhar uma informação ou levar à indicação de algum contato que pode nos ajudar em um determinado assunto. Além disso, a interação social física ajuda a estabelecer e fortalecer conexões sociais e criar experiências compartilhadas entre as pessoas, que aumentam confiança e constroem relacionamentos de alta qualidade.

As reuniões virtuais nunca foram um substituto à altura, porque têm uma outra dinâmica. Elas possuem um ritual meio forçado – combinação prévia, links trocados, pessoas selecionadas e uma agenda definida. O que era natural e orgânico, fica mais artificial e forçado. Outro resultado do estudo da Microsoft mostra de forma cristalina este problema: durante a pandemia, a interação nas redes de trabalho encolheu. Ou seja, com o trabalho remoto, as interações com nossos contatos próximos aumentaram (nosso time de trabalho, por exemplo), enquanto as trocas com nossos contatos mais distantes se reduziram e foram deixados mais de lado.

Porém, como quase tudo na vida, nem ao céu e nem à terra. Ainda que os benefícios do modelo híbrido sejam inegáveis, ele traz consigo alguns desafios. Se o modelo híbrido abre um novo mundo de possibilidades, então precisamos nos despedir de velhos hábitos e abraçar novos para viver bem neste novo mundo. O principal deles deve ser como percebemos o espaço físico do escritório. Ele deixa de ser visto como “o local físico” onde o trabalho é feito e supervisionado de perto para ser um espaço de interações sociais, cujo foco é reforçar nossas conexões e fomentar colaboração.

O modelo híbrido demanda um novo desenho do espaço físico e um novo significado a ele. Isso traz também questões sobre como dividir o trabalho entre o que é feito no remoto e no escritório. Traz também o desafio de inclusão de quem fica remoto, já que as pessoas no remoto naturalmente podem sentir que estão perdendo algo: desde a noção de que seu trabalho e empenho não estão sendo vistos e notados pelas lideranças até a sensação de estar desconectado e desatualizado do que está acontecendo de fato no “mundo real” do trabalho. Discutir, no entanto, em detalhes os desafios deste novo mundo que se abre com o híbrido é assunto de um outro texto, ou melhor, de um outro encontro, seja ele remoto ou presencial.

Conheça 17 dados sobre o impacto da flexibilidade no trabalho.

 

Tatiana Iwai - CTA

Confira mais artigos de Tatiana Iwai sobre liderança:

Os desafios da percepção da justiça no ambiente de trabalho
+ Precisamos de ajuda no trabalho. Mas por que é tão difícil pedir?
Ellen DeGeneres e os (des)caminhos do pode
Dilemas de valores e o impacto de lideranças neutras na crise
Quando o silêncio fala mais alto que a voz nas organizações

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Conteúdos Relacionados

Assine a newsletter do GPTW

e fique por dentro das nossas novidades

Inscreva-se