Por: Alexandre Caldini

autor do livro "Networking versus Notworking"

Por: Alexandre Caldini

autor do livro "Networking versus Notworking"

9 abril, 2020 • 7:06

A gente sonhava com a ideia de trabalhar em casa. Sonhávamos as delícias de acordar um pouco mais tarde, tomar um banho mais longo, não ter que escanhoar a barba ou lambuzar a pálpebra. Como seria ficar com o cabelo desgrenhado até o meio dia? E com a mesma camiseta folgada o dia todo? Com o tempo economizado longe do trânsito, sorveríamos calmamente um encorpado café. A xícara seria acompanhada de um prazeroso passeio pelas notícias matutinas e as baboseiras das redes sociais para, só então, serenos e gloriosos, iniciarmos o expediente. Estaríamos bem longe do chefe irascível, dos pares traiçoeiros, dos conchavos e daquela barulheira toda do escritório. O sossego imperaria. Nossa casa estaria no topo do ranking do Great Place to Work! Um sonho!

Só que o sonho aconteceu, e ele foi meio que como aquela viagem de férias longamente planejada. Enquanto sonhamos com a viagem, tudo está perfeito, mas, quando ela acontece, traz junto velhos aviões apertados, malas extraviadas, câmbio nas alturas, o pior quarto do hotel, comida ruim e passeios meia-boca. Isso sem falar no cartão de crédito que travou sete vezes, antes de ser clonado! Além dos pernilongos e da chuva, é claro.

Nosso sonho de trabalhar em casa seguiu a trilha da viagem dos sonhos: enquanto era sonho estava ótimo! Mas de repente o novo coronavírus nos obrigou a aterrissar na realidade. Tivemos que ficar em casa e trabalhar em casa.

O office invadiu o home e nada foi como havíamos imaginado. As crianças nunca desligam e a internet sempre desliga. A louça insiste em ficar suja e a cama, toda manhã, aparece misteriosamente desarrumada. O almoço agora já não surge, mas exige horas de interação com a batata e carinho com cada galhinho do maço de brócolis. A dupla histriônica de Malteses de um vizinho só se cala quando o sertanejo universitário do outro vizinho se põe a ladrar. Todos os call-centers ligam para oferecer maravilhosas oportunidades: de aluguel de helicópteros a sepultura, passando por um imperdível plano de saúde para gatos. E quando o telefone dá um tempo, o WhatsApp da família (que eles, os íntimos, chamam de Zap) toma para si a responsabilidade de decidir por toda a população se o isolamento será vertical, horizontal ou oblíquo. E no meio dessa farra toda… você tem que trabalhar.

Toda experiência, no entanto, traz ganho. Duas semanas de convívio com nosso amado cônge (uops!) bastam para que relativizemos quão deselegante é o diretor. Uma semana em casa e percebemos que o ar condicionado da firma, afinal de contas, não é assim tão gelado. Dois choros na cebola e passamos a achar que o tempero do refeitório da empresa até que é bom. Uma lavada na nossa própria privada e começamos a cumprimentar o pessoal da limpeza do escritório. Nada como um chá de realidade para nos ancorar.

Por outro lado, passar esse tempo trabalhando em casa, ao lado de nossos familiares, também nos faz reconhecer muita coisa que, na correria competitiva do mundo do trabalho, deixamos de notar. Passamos a valorizar a segurança e o conforto, que o aconchego do amor de nossos familiares nos propicia. E isso importa — e muito. Fazer home office está nos dando a oportunidade de olhar o lado bom de casa e o também o lado bom do trabalho fora dela.

Mas como o isolamento social ainda deve demorar um bocado, talvez valham dois lembretes e uma dica. 

Dois lembretes:

A casa já morava com você antes do seu escritório chegar. Ele veio depois. É ele portanto quem tem que adaptar-se ao ritmo, às instalações e ao ambiente, e não o contrário. Quem chega depois dorme no sofá.

– Esposa, marido, filhos, sogra e todos os agregados não são seus reports. São bem melhores e mais que isso. São família. A relação, não custa lembrar, é outra. Eles estavam e estarão ao seu lado por bom tempo. Não cobre da família subordinação, produtividade, disrupção, inovação, meritocracia, engajamento e outras bobagens corporativas. Guarde essa ladainha ensebada para quem se sujeita a ouvi-la porque precisa do emprego. Em casa, a conversa é outra e os termos são igualmente outros. Experimente resgatar um vocabulário com umas 15 + 1 palavras de real significado: atenção, compreensão, confiança, orientação, apoio, aprendizado, solidariedade, reciprocidade, modéstia, camaradagem, fraternidade, serenidade, gentileza, doçura e encantamento. Ou, numa palavra só, amor. Repare que o perdão ficou de fora porque quem compreende, não se ofende, e, portanto, não precisa perdoar. 

Uma dica:

– Você sempre reclamou que não tinha tempo para fazer Networking. Se houvesse lido meu livro saberia que Networking não se faz, se vive. E saberia também que Networking se vive com todos os que estão em nosso entorno e não apenas com os supostamente mais poderosos.
Mas de qualquer modo, tempo, com o isolamento social, agora você tem. Aproveite! Dê um lustro forte em seu Networking com aquele pessoal que mais importa para seu crescimento na carreira, nos negócios e na vida pessoal: a sua família!
Aproveite que vocês estão mais juntos fisicamente e aproxime-se deles também espiritualmente. Aperte os laços do coração. Seus familiares, não se iluda, são os realmente poderosos para você. São os que vão garantir a estabilidade de seu alicerce para que você possa seguir erguendo muitos andares na sua carreira e na sua vida.

E por fim, algo para você pensar:

Leia novamente os 15 +1 termos sugeridos no trato com a família, no segundo lembrete. Que tal ao final da pandemia, quando você voltar ao escritório, incorporar esses termos também na sua prática diária, no trabalho? Dessa vez, a ordem inverte: é o home invadindo seu office. Topa?

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Confira os artigos de Alexandre Caldini sobre Networking:

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6 Comentários

  • Postado por: Maria do Carmo Meirelles Toledo Cruz •

    Alexandre, é uma delícia ler os seus textos.

  • Postado por: Julio Dantas Carneiro monteiro •

    Eu sou do RH e sempre pensei fazer home-office sempre fui criticado pois nos somos prestadores de serviço ( despacho aduaneiro, logistica ) não dariam certo !!! Hoje pir causa da pandemia estamos em home office !!! Os CEOS observaram que tudo funcionou bem ! Video conferencias ! Skype e o zap !!! Existe alguma literatura falando dos prós e contras ?
    Grato pela atenção !!

    • Postado por: Great Place to Work •

      Que bom que você conseguiu colocar em prática o trabalho remoto, Julio!
      Nós temos alguns conteúdos sobre home office no site, basta digitar o termo na busca do site. Espero que goste!

  • Postado por: ALESSANDRA ELIAS DE OLIVEIRA •

    Como sempre, sensacional.

  • Postado por: Alexandre Rueda •

    Muito interessante e inteligente suas colocações!

  • Postado por: Marlene torres •

    Caldini sábias palavras . Como na viagem sabemos que iremos regressar com imagens e lembranças esse é um momento transformador . Saímos do achismo pra realidade , responsabilidade . Momento único de amadurecimento . Vou compartilhar , vale sua reflexão tão bem descrita .Podemos fazer a diferença ,ou melhor, mudarmos pra melhor .

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