Vivemos meses de várias mudanças e desafios e muito já abordamos nos últimos tempos. Home office, turbulências no mercado, desemprego, medo, ansiedade, adaptações, distanciamento social, burnout, apreensões as mais diversas.
Hoje se fala muito em saúde mental no trabalho, como uma espécie de bem precioso que pode nos levar “a surfar as ondas gigantes” que a pandemia da Covid-19 vem provocando.
Desafiados em relação à nossa capacidade de suportar pressão, uma habilidade reconhecida como resiliência, nos percebemos todos vulneráveis, de uma forma ou de outra, mas principalmente no tocante à manutenção da vida.
Existem ferramentas para enfrentar tudo isso no ambiente de trabalho?
Na matéria “Sustentabilidade Emocional: a saúde mental na estratégia corporativa”, a jornalista Hanna Oliveira traz reflexões sobre a necessidade das empresas pensarem em ações sustentáveis de saúde mental no seu dia a dia de trabalho e não mais em ações pontuais. Também já ressaltamos esta necessidade por aqui em outros artigos. As palestras e workshops de algumas horas como já era tradição no ambiente corporativo precisam ser complementares a ações que realmente fomentem a saúde e o equilíbrio.
Até recentemente nós psicólogas(os) éramos procuradas(os) no ambiente de trabalho para apagarmos incêndios como por exemplo: “temos um time dentro da grande equipe que não está performando, por favor nos ajudem a identificar o que acontece”, ou pedidos para oferecermos “receitas de bolo” que pudessem rápida e milagrosamente gerar respostas prontas para problemas crônicos muito antigos.
A sensação era (e às vezes ainda é) de impotência e de insatisfação, pois ao contrário de algumas categorias profissionais que trabalham com métodos pontuais de solução de problemas e não se envolvem com a saúde mental propriamente dita, nós trabalhamos com padrões de funcionamento que merecem muitas vezes serem revistos, assim como com habilidades que precisam de treino, passando por reflexões que podem gerar mudanças no status quo.
Certa vez, convidada a compor um grupo multiprofissional que disponibilizaria um breve treinamento de 16 horas a uma equipe, cuja demanda no geral era “precisamos melhorar o relacionamento entre os líderes, trabalhando empatia e criando um clima de mais humanidade e colaboração e menos competição”, preparei uma técnica chamada “self disclosure”, onde o palestrante compartilha suas próprias dificuldades, fragilidades, assim como dá exemplos de situações onde de forma resiliente conseguiu transpor desafios e alcançar êxito, em sua própria vida pessoal e profissional. A ideia, nestes casos é gerar uma comunicação mais pessoal e honesta, assim como criar um clima favorável a identificações e empatia, ajudando a desconstruir a imagem de que aquele que fala (palestrante, terapeuta, médico, líder, professor etc) tem super poderes ou não enfrenta dificuldades.
Meu desafio nesta oportunidade era grande, pois diferente de outros profissionais que ofereciam o workshop, sou uma psicóloga clínica e, com os 90 minutos que me foram reservados, esperava despertá-los para um caminho que pudessem trilhar junto a seus pares no trabalho, sem nem de longe esperar por grandes mudanças naquela única oportunidade.
Estamos vivendo a era da auto-revelação (self-disclosure) no ambiente de trabalho. O momento é de compartilhamento de dificuldades, assim como de possíveis saídas e as tão esperadas respostas não vêm prontas, mas estão em constante co-construção.
O feedback recebido naquela oportunidade foi surpreendente, “não esperávamos que falasse tanto de si, mas sim que nos apontasse a saída para problemas ligados à saúde mental”. Apesar de sabermos que este é um possível viés da técnica, revivemos ali o mito do psicólogo que irá trazer as respostas.
A ideia de criar no ambiente de trabalho um clima que favoreça a comunicação pessoal é encarada hoje como uma poderosa ferramenta de saúde, uma vez que permite aos trabalhadores em geral (líderes, gestores, colaboradores) experimentarem um ambiente de conexão e confiança, assim como de segurança em relação ao compartilhamento de problemas para o devido direcionamento.
Trabalhadores em grande parte isolados em home office, ou mesmo surfando as altas ondas no ambiente de trabalho hoje precisam sentir-se parte de um time, assim como precisam compartilhar suas dificuldades e compreender que boa parte da equipe está vivenciando as mesmas turbulências e sentimentos. Assim como muitos deles apresentam já sintomas de ansiedade, depressão e burnout reativos a tudo que viemos enfrentando, e estes precisam de cuidados especiais.
A empresa que hoje se ocupa da saúde mental de seus trabalhadores está ciente dos mitos ainda vigentes em relação à mesma e precisa agir na contramão dos mesmos, compreendendo que saúde mental é uma conquista, da qual participam fatores genéticos, psicológicos, sociais, espirituais e que depende essencialmente do desenvolvimento da flexibilidade cognitiva para o enfrentamento de desafios e mudanças.
Quando um trabalhador enfrenta dificuldades, encontra um ambiente que lhe permite compartilhar e encontra ressonância, também favorece uma mudança de perspectiva e de crenças em relação ao adoecimento mental, proporcionando a abertura necessária ao encontro da ajuda.
Desenvolver um ambiente de conexão e acolhimento pode conduzir a promoção de saúde e equilíbrio entre as equipes. Sem a pretensão das respostas prontas, mas abertos à realidade de cada contexto e certos de que “ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana” (Carl Gustav Jung).
Mitos:
“Desfruta de saúde mental aquele que nunca adoeceu.
O adoecimento mental é definitivo.
Doença mental é sinônimo de fraqueza emocional.
Saúde mental diz respeito a nunca se “desequilibrar”.
O tema doença mental é exclusivo do contexto clínico.”
O que sabemos:
Saúde mental é uma conquista, da qual participam fatores genéticos, psicológicos, sociais, espirituais.
Saúde mental é sustentada por 4 pilares (Davidson, 2020): consciência, insight, conexão e propósito.
Saúde mental envolve flexibilidade cognitiva para enfrentar desafios e mudanças.
Padrões aprendidos estão relacionados à saúde/adoecimento mental, assim como à recuperação dos quadros.