A importância da comunicação no ambiente de trabalho não é um tema novo. Como muitos sabem, ela serve para trazer clareza, buscar acordos e resolver conflitos. Entretanto, pouco é abordado sobre um elemento diretamente relacionado com a nossa forma de comunicar: as nossas crenças e como fomos ensinados a pensar. O contexto onde estamos inseridos molda a nossa forma de interagir, de ver o outro e, por fim, de nos comunicarmos. De nada adianta aprendermos técnicas de comunicação para aumentar a colaboração e o diálogo em uma equipe se os nossos pensamentos estiverem atrelados às crenças que enrijecem as relações no lugar do medo, da culpa ou da vergonha, seguindo a lógica do famoso jargão “manda quem pode e obedece quem tem juízo! ”.
Justamente por considerar que contexto e comportamento estão conectados, o CEO da Microsoft Satya Nadella adotou como estratégia de mudança cultural o treinamento da liderança focado na competência da comunicação. Segundo reportagem do site Business Insider, o executivo herdou um ambiente de trabalho hostil e extremamente competitivo quando assumiu o comando da gigante de tecnologia em 2014. Para mudar esse cenário, ele pediu que o C-level lesse um livro chamado Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais, escrito pelo psicólogo Marshall B. Rosenberg. Ao que tudo indica, Nadella queria mudar o padrão de comportamento começando pela comunicação. Uma comunicação que, como Rosenberg explica em sua obra, tem a empatia e a compaixão como pilares fundamentais.
Isso nos dá uma pista do papel e do valor da cultura do diálogo em um processo de transformação de mentalidade nas relações humanas. É através de uma mudança de olhar sobre o uso do poder e da autoridade que genuinamente se torna possível criar uma cultura de diálogo, a qual, por sua vez, incentiva líderes e colaboradores a terem uma postura diferente em relação a dar e receber feedbacks, a relatar incômodos, a ouvir críticas e a propor mudanças que visam o bem-estar da empresa e das pessoas que nela trabalham.
Necessidades universais e mudanças
A abordagem da Comunicação Não Violenta (CNV) tem sido vista cada vez mais como uma proposta eficiente para construir um novo paradigma de relações humanas no ambiente profissional. E isso acontece justamente por ela propor interações baseadas na vulnerabilidade, na empatia, na expressão de sentimentos e na conexão com as necessidades humanas universais. Na concepção de Marshall Rosenberg, autor da obra citada anteriormente, “[necessidades humanas universais] podem ser consideradas recursos exigidos pela vida para que esta possa se sustentar. Por exemplo, nosso bem-estar físico depende da satisfação da necessidade por ar, água, descanso e alimento. Nosso bem-estar psicológico e espiritual aumenta quando nossa necessidade de compressão, apoio, franqueza e significado é atendida”, conforme explica em trecho do livro “Vivendo a Comunicação Não Violenta”. Trocando em miúdos, o que Rosenberg quis dizer é que a abordagem da Comunicação Não Violenta deixa evidente a nossa humanidade compartilhada, porque todos nós compreendemos e percebemos as necessidades por autonomia, liberdade e reconhecimento, por exemplo. Quando passamos a ter consciência dessas necessidades e conseguimos, então, comunicá-las, uma nova cultura de prevenção de conflitos e de empatia pode começar a emergir.
Esta abordagem também mostra que, por trás do julgamento, existem demandas de necessidades. Ou seja, se um membro da equipe considera o gestor autoritário, por exemplo, pode ser que, para esse colaborador, confiança e liberdade para criar sejam necessidades essenciais. Necessidades estas que, neste exemplo do gestor autoritário, não estão sendo atendidas. Traduzir em necessidades os julgamentos que proferimos – e também aqueles que ouvimos – tem um enorme poder de conexão.
Novos horizontes
Podemos compreender, então, a CNV como um meio, um canal, que nos auxilia a sair do automatismo das nossas respostas, além de construir e fortalecer de forma consciente os vínculos entre as pessoas. Assim, a CNV acaba contribuindo com o aumento da sensação de pertencimento e com o estabelecimento de relações de respeito. Tudo isso junto, por sua vez, impacta na construção de normas culturais positivas, justamente o que o CEO da Microsoft buscava. Para mudar as normais culturais daquele ambiente de trabalho, Satya Nadella precisava mostrar para as pessoas que existia outro “canal”, outro caminho a ser percorrido para que as necessidades humanas universais fossem satisfeitas.
A nossa disposição em comunicar incômodos, em falar dos nossos sentimentos, bem como a nossa disposição para nos conectarmos com os sentimentos e necessidades dos outros, invariavelmente passará pelos filtros das nossas crenças e, portanto, pela nossa forma de ver o mundo. Por isso, a importância de reformulá-los. No caso de um ambiente de trabalho, é importante questionar culturas que manipulam as pessoas através do medo, da culpa ou da vergonha para que, de fato, seja possível construir uma forma de interação baseada na empatia, na inclusão, na consideração e na escuta. Sem esse questionamento, a transformação não se dá e qualquer treinamento imposto não passará de mais uma técnica vazia que em nada altera o padrão vigente.
Um grande aprendizado que a Comunicação Não Violenta traz para as relações humanas é a habilidade de sermos autênticos e expressar o que realmente importa para nós, sem atacarmos ou julgarmos o outro. Contribuindo com o desenvolvimento de uma escuta apurada para ouvir sentimentos e necessidades, mesmo quando uma fala chega carregada de julgamentos. O que favorece — e muito — o processo de comunicação e a gestão positiva dos conflitos.
Ser um bom comunicador requer também uma boa dose de autoconhecimento, de questionar as próprias narrativas, de habilidade para gerir emoções e da capacidade de ouvir a essência de uma mensagem, mesmo quando discordamos do conteúdo que está sendo dito. A boa notícia é que todas essas habilidades e competências podem ser desenvolvidas com a prática. E Satya Nadella bem sabia disso!