O que a adoção do modelo híbrido pela empresa símbolo do remoto representa no mundo do trabalho
A empresa que virou símbolo da revolução do trabalho, a americana Zoom, decidiu abandonar o modelo 100% remoto e migrar para o híbrido, pedindo que parte dos seus funcionários passassem a ir para o escritório duas vezes por semana.
A notícia causou um certo espanto no meio corporativo. Apesar de ser “só” mais uma big tech pedindo para os funcionários voltarem a bater o ponto – Google, Meta e Salesforce já fizeram esse movimento antes – a decisão da Zoom pode colocar uma pá de cal na ideia do trabalho totalmente flexível que, por quase três anos, sustentou o ideal de trabalho para muitas pessoas.
Afinal, se até a dona da ferramenta mais conhecida de reuniões remotas acredita que é preciso ter o time junto para ganhar eficiência e recuperar receita, quem vai dizer o contrário?
O anúncio da Zoom acontece num momento delicado nas decisões sobre modelos de trabalho. Temos visto um movimento cada vez mais crescente de empresas não apenas migrando do remoto para o híbrido, mas principalmente do híbrido para o antigo, ou seja, o 100% presencial, exigindo a presença dos funcionários entre segunda e sexta, num padrão bastante conhecido por todos nós.
Segundo uma pesquisa da Gartner do ano passado, 69% dos empregadores de médio e grande porte já estavam exigindo que seus funcionários (incluindo aqueles cujas tarefas podem ser feitas remotamente) voltassem ao escritório entre 1 e 5 dias na semana. Nossas pesquisas também reforçam essa tendência.
Em fevereiro de 2022, o relatório Tendências em Gestão de Pessoas, realizado pelo ecossistema Great People e Great Place to Work, com base em uma pesquisa que ouviu 1.700 pessoas, apontava que, das empresas que já tinham definido uma nova política de trabalho, 66% optaram pelo modelo híbrido; 24% pelo presencial e 10% pelo remoto. O relatório deste ano, publicado também em fevereiro, já indicou um novo status: 50% no híbrido; 40% no presencial e 10% se manteve no remoto.
Diante deste cenário, o que venho observando nas empresas é uma disputa de argumentos para marcar posições.
De um lado, geralmente o time do RH exausto levando indicadores de pesquisa de satisfação, engajamento e turnover para mostrar que é possível manter um modelo de trabalho mais flexível permitindo um híbrido sensato (ou seja, sem obrigar quem não precisa a voltar para o escritório três dias na semana).
Do outro, parte da liderança ou do Conselho se apoiando em outra lista de motivos, com destaque para o aumento da eficácia e da produtividade. Neste cabo de guerra, a recente decisão da Zoom pode ser o argumento derradeiro que muitos líderes estavam esperando para justificar de vez a necessidade de ter o time debaixo da saia.
A seu favor, o pessoal que deseja ocupar todos os espaços que ficaram vazios durante a pandemia tem ainda novas pesquisas apontando que as pessoas são mais produtivas trabalhando no escritório e juntas umas das outras do que em casa, isoladas. Várias delas de universidades renomadas se encontram num recente artigo publicado na revista inglesa The Economist.
A notícia vai contra tudo que absorvemos sobre produtividade no auge da pandemia. Naquela época, choveram estudos apontando exatamente o contrário: que as pessoas eram mais produtivas trabalhando de casa. Na reportagem atualizada da The Economist o “erro” das pesquisas anteriores foi considerar que a produtividade vinha apenas do fato de as pessoas estarem longe do escritório. Na verdade, elas eram mais produtivas pelas horas extras que faziam, estendendo o expediente em suas casas. Faz sentido.
O que não faz sentido é continuar olhando para o trabalho (e para as pessoas) como fonte apenas de produtividade. O trabalho é mais do que isso (ou deveria ser). E a novidade nessa história toda é que as pessoas conheceram esse outro lado da vida durante os anos de pandemia e muitas estão dispostas até a negociar salários mais baixos a favor de mais flexibilidade.
Forçar os colaboradores a voltarem (mesmo os que não precisam estar lá o tempo todo) é sinalizar que sua empresa se importa com apenas uma coisa: o lucro. Puristas da administração de empresa irão dizer que esse sempre foi o objetivo das empresas – gerar lucro – e o propósito deste artigo não é debater velhos conceitos de administração.
O objetivo das empresas hoje, porém, numa nova abordagem do capitalismo, deveria ser contribuir para o bem comum, servindo TODAS as partes interessadas – o acionista e o colaborador. Gerando sim lucro, mas também felicidade.
Ao colocar na balança apenas os argumentos ligados à produtividade, eficácia, rendimento e lucro, incluindo aqui prejuízos com espaços vazios dos escritórios, para justificar a volta ao modelo de trabalho presencial, ignorando o que pensam e o que desejam os profissionais, você corre o sério risco de perder suas melhores pessoas. E ficar apenas com aquelas que estão debaixo dos seus olhos, mas distantes do seu negócio.