Por: Daniela Diniz

Diretora de Conteúdo e Relações Institucionais

Por: Daniela Diniz

Diretora de Conteúdo e Relações Institucionais

7 janeiro, 2022 • 2:29

No início de dezembro de 2021, os Emirados Árabes anunciaram que a semana de trabalho no país passaria a ser de quatro dias e meio para todas as suas entidades governamentais e para o banco central. Na sexta-feira, os funcionários vão trabalhar até o meio-dia, reservando a tarde para realizar as orações muçulmanas. A notícia se espalhou, gerando repercussão e reflexão sobre as clássicas jornadas de trabalho. Afinal, por que ainda trabalhamos cinco dias por semana, cerca de oito horas por dia, cumprindo uma carga horária padrão num mundo cada vez menos padronizado? Porque ainda estamos presos à mentalidade industrial que cria normas, processos e padrões para todas as atividades.  

Num novo século, que já deixa mais de vinte anos de história, incluindo uma pandemia que dura quase dois anos, já passou da hora de questionarmos esse modelo. Já deveríamos ter aprendido que quantidade não significa qualidade e que mais muitas vezes é menos.

No livro Shorter: How Working Less Wiill Revolutionise The Way Your Company Gets Things Done (o título da edição brasileira é Trabalhe Menos, Ganhe Igual – Como a redução da jornada de trabalho pode revolucionar sua vida e sua empresa) Alex Soojung-Kim Pang, Ph.D em história e sociologia da ciência, reforça a tese, com dados, estatísticas e muitos exemplos, de que trabalhar menos traz benefícios para as pessoas, para os negócios e para a sociedade. “No fim das contas, o descanso não é inimigo do trabalho, mas parceiro”, diz Pang na introdução do livro.  

Essa tese não é nova. Outro sociólogo, o italiano Domenico De Masi, ficou famoso ao cunhar, no início dos anos 2000, o conceito do Ócio Criativo, ao afirmar que o ócio, ao contrário de ser um elemento negativo, é um impulsionador para nossa criatividade. E quer habilidade mais fundamental hoje para ser desenvolvida do que criatividade? No relatório The Future Jobs de 2020, o Fórum Econômico Mundial listou as competências fundamentais para o trabalho no futuro. Além de criatividade, temos na lista: pensamento analítico, aprendizagem criativa, capacidade de resolver problemas complexos, pensamento crítico, capacidade de liderar e influenciar, resiliência e flexibilidade. Muitas dessas habilidades são impulsionadas – como já dizia De Masi – durante os intervalos, no momento de desconexão com o trabalho, ou – usando seu próprio conceito – no ócio.  

A diminuição da jornada de trabalho não é só um ato inteligente, mas também humanitário e sustentável. Humanitário, pois estamos batendo recordes de doenças mentais, muitas delas acometidas pela exaustão do trabalho – não à toa Burnout passou a ser considerada neste ano pela Organização Mundial da Saúde como doença ocupacional. Nas palavras do texto da alteração, a síndrome será oficializada como “estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso.” Ponto positivo para a OMS; alerta forte para as empresas. A todas as organizações que ainda vivem sob uma gestão da Era Industrial em que horas trabalhadas valem mais do que o trabalhador, a conta vai pesar. E talvez algumas delas vão aprender a importância do ócio na vida das pessoas e, principalmente, dos negócios.  

E por que sustentável? Porque o avanço tecnológico nos leva a produzir cada vez mais com menos pessoas. Em outras palavras, não precisamos de tantos funcionários trabalhando tanto tempo para produzir o que produzíamos, o que significa um contingente cada vez maior de trabalhadores desocupados. Somente a redução da carga horária de trabalho, desconstruindo a rotina da era industrial, vai permitir que o desemprego não avance de forma incontrolável. Segundo o próprio Domenico De Masi, cem anos atrás, havia 40 milhões de italianos que, em um ano, trabalhavam 70 bilhões de horas; hoje são 60 milhões e trabalham 40 bilhões de horas, produzindo infinitamente mais.  Segundo dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, um francês trabalha 34,4 horas por semana e um alemão 30,8 horas. Como consequência, o nível de emprego nesses países é de 70% e 79%, respectivamente.  

Alguns países vêm experimentando – mesmo antes da pandemia – introduzir jornadas reduzidas de trabalho, sem impacto nos salários. A Islândia fez experimentos entre os anos de 2015 e 2019 com um grupo de 2 500 médicos, enfermeiros e policiais (cerca de 1% da população ativa) para identificar o impacto de uma hora a menos de trabalho por dia na jornada desses profissionais. O resultado foi extraordinário. A produtividade permaneceu a mesma ou melhorou na maioria dos locais e os trabalhadores relataram sentir menos estresse ou menor risco de esgotamento. Disseram também que sua saúde e equilíbrio entre vida profissional e familiar melhoraram. Como resultado do experimento, o país agora tem 86% da sua força de trabalho com jornadas reduzidas, mas com manutenção dos salários.  

No livro de Alex Soojung-Kim Pang é possível conhecer várias outras experiências como essa, que estão sendo impulsionadas pela pandemia. Se falta ainda coragem das empresas em romper com o modelo mental industrial, fica o alerta para você, trabalhador, experimentar uma nova relação com seu trabalho. Inclua o ócio na sua jornada e encurte seu tempo de dedicação total às tarefas burocráticas. A mudança das empresas acontece a partir das mudanças na sociedade. E as mudanças na sociedade começam a partir das nossas mudanças de hábitos. Que 2022 traga novos (e saudáveis) hábitos para que seu trabalho faça realmente sentido!  

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