Imagem: Flickr/Bigotes de Gato – Fotografia
Afinal, qual é tão falada relação entre o mundo do trabalho e a nova música da artista pop?
A Grande Renúncia chegou ao mundo e ao Brasil. A nova música da Beyoncé, também.
Inicialmente, parece que uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas a relação fica clara com uma breve leitura do novo single:
“I just fell in love and I just quit my job. I’m gonna find new drive. Damn, they work me so damn hard. Work by nine, then off past five and they work my nerves. That’s why I cannot sleep at night; I’m lookin’ for motivation. I’m lookin’ for a new foundation.”
Tradução: “Acabei de me apaixonar e acabei de me demitir. Vou encontrar um novo estímulo. Caramba, eles me fazem trabalhar tanto. Começo às nove e passo das cinco, e eles me estressam, por isso não consigo dormir à noite. Estou procurando motivação. Estou buscando uma nova fundação.”
Estamos em tempos de burnout e exaustão no trabalho; pessoas de diferentes gerações buscando oportunidades que ofereçam mais flexibilidade, autonomia e bem-estar; e empresas direcionando todos seus esforços para descobrir o formato ideal de trabalho para os novos e futuros tempos.
E aí chega a Beyoncé, com todo o seu poder de influência, e lança uma música que convoca as pessoas a refletirem sobre suas situações e cantarem em ritmo animado, quase como em um hino, frases sobre largar o emprego; buscar motivação; se libertar do estresse e da raiva.
“Release your anger, release your mind. Release your job, release the time.”
Tradução: Libere a sua raiva, liberte a sua mente. Liberte-se do seu trabalho, libere seu tempo.
Talvez esse não tenha sido o empurrão decisivo que as pessoas estavam esperando para buscar outras oportunidades de trabalho, até porque esse movimento já estava acontecendo entre quem tem o privilégio de usufruir desse direito.
Contudo, com certeza serve como reflexo e – por que não? – um alerta sobre a nossa situação atual.
Pensando num cenário pré-pandemia, uma música com esse apelo faria tanto sucesso? Ou até mesmo seria cogitada como o lançamento do novo álbum de uma das cantoras de maior sucesso mundial? Provavelmente não.
O momento é perfeito para essa música se tornar uma febre entre as gerações e classes que estão buscando e construindo novas relações com o trabalho. Estamos presenciando a cultura pop apontando para uma transformação que já começou, mas que ainda não está sendo incluída nas agendas organizacionais com a importância e a urgência necessárias.
Por que essas pessoas estão se demitindo? Por que estão tão insatisfeitas no trabalho, sem conexão com o que fazem, com as pessoas de suas equipes e suas lideranças? Por que elas estão se rebelando contra suas jornadas e formatos de trabalho?
Enquanto fãs da cultura pop deliram com o lançamento tão esperado de mais uma música de Beyoncé – enquanto aguardam praticamente sem esperança uma nova aparição musical de Rihanna -, o mundo do trabalho não tem a mesma sorte:
- Faltam lideranças capacitadas para promover ambientes emocionalmente mais saudáveis, diversos e inclusivos;
- benefícios realmente pensados e desenhados para as pessoas;
- culturas organizacionais pautadas na flexibilidade, inovação e autonomia dos colaboradores;
- equidade de oportunidades;
- senso de propósito;
- construção de relações significativas entre a equipe;
- pessoas com habilidades comportamentais fundamentais para liderar, influenciar e resolver problemas complexos.
Enfim… falta gestão humanizada, empatia, adaptação às mudanças e, o principal e que norteia tudo isso: estratégias organizacionais que coloquem as pessoas no centro.
Tudo isso foi apontado no nosso relatório de Tendências de Gestão de Pessoas de 2022 e continua aparecendo como desafio e dor dos RHs.
Enquanto o mercado não se adaptar, as pessoas continuarão endossando a voz de Beyoncé em busca de mais motivação, reconhecimento e equilíbrio. Novamente: é necessário dar espaço para as pessoas incorporarem o trabalho à vida, e não o contrário.
As melhores empresas para trabalhar já sabem disso e estão sempre em busca de novas práticas e estratégias que possibilitem espaços seguros, pautados na diversidade e na valorização das pessoas.
É nessas empresas que precisamos nos espelhar para construir ambientes de trabalho em que as músicas da Beyoncé apareçam em momentos alegres, de interação e celebração, e não nos fones de ouvido de pessoas exaustas, buscando numa música o que falta para pedirem demissão e trilharem novos caminhos.
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Não nos esqueçamos de que no Brasil ainda há uma altíssima taxa de desemprego e toda uma situação de desigualdade que não está contemplada nessa música, nem neste artigo. “Break My Soul” pode ser uma chamada responsável da cantora para novas relações de trabalho, mas infelizmente não é um convite para todas as pessoas. Pelo menos não ainda, se pensarmos de forma otimista.