Por: Tatiana Iwai

professora e pesquisadora de comportamento e liderança no Insper

Por: Tatiana Iwai

professora e pesquisadora de comportamento e liderança no Insper

17 dezembro, 2020 • 11:31

Por que é tão difícil parecer justo no ambiente de trabalho? Ou melhor: por que é tão difícil evitar que as pessoas se sintam injustiçadas? Avaliações de desempenho. Alocações de recursos. Distribuições de recompensas e reconhecimentos. Nestas várias situações de decisão, você provavelmente já desempenhou um de dois possíveis papeis: o do tomador de decisão injusto ou o da vítima injustiçada. Como gestor, certamente você já tomou uma decisão que seus colaboradores avaliaram como injusta. Eles podem até não ter vocalizado sua insatisfação, mas silenciosamente você foi visto como injusto. Talvez até julgado como inadequado para sua posição de liderança, ou insensível ou até que favorece “preferidos”. Você possivelmente não tinha intenção de ser injusto. Mas boas intenções não resolvem o problema.

Vejamos um exemplo recente. Segundo reportagem recente do The New York Times, com a pandemia e fechamento das escolas e creches, algumas empresas como Facebook, Google e Microsoft implementaram novas políticas de avaliação de desempenho e distribuição de benefícios. O Facebook, por exemplo, ofereceu até 10 semanas de folga remunerada para os colaboradores que tivessem de cuidar de filhos ou de um parente mais velho. Houve barulho. De acordo com a reportagem, vários colaboradores reclamaram repetidamente que as políticas de trabalho criadas em resposta à Covid-19 “beneficiaram principalmente funcionários com filhos”. A empresa também anunciou que não avaliaria funcionários quanto ao desempenho no trabalho no primeiro semestre de 2020. Todos receberiam bônus por alta performance. Mais barulho. Os colaboradores sem filhos reclamaram novamente, pois “achavam que aqueles que trabalharam mais deveriam receber mais”. Por outro lado, os colaboradores com filhos se sentiram injustiçados por serem julgados negativamente pelos demais.

O caso pode ser analisado por diversos ângulos: empatia, diversidade, cultura. Mas o que nos interessa aqui não é fazer um julgamento sobre a prática adotada, mas entender como as pessoas constroem seus julgamentos de justiça. O que contribui para a percepção da justiça das pessoas? Essa é a questão central que queremos analisar.

Voltemos ao caso. Ao se deparar com este exemplo, você formou seu julgamento de justiça. Talvez alguns de vocês tenham visto estas políticas como justas. Outros nem tanto. O problema é que justiça não é uma qualidade objetiva. Ela é perceptual. Construída por cada pessoa. Está no olhar e julgamento de cada um. O que parece justo para você, pode ser absolutamente injusto para mim. E, segundo a lógica da justiça distributiva, isto depende do critério de distribuição que você usou para avaliar a justiça destas políticas. Na questão do bônus para todos os colaboradores, se você usar a regra da equidade, em que quem contribui mais, deve receber mais, então você achou injusto. Por outro lado, se você usar a regra da igualdade, em que todos devem receber igual, então a decisão pareceu justa.

Para complicar ainda mais o problema, pense agora na questão da licença remunerada. Os mesmos colaboradores sem filhos, que estavam incomodados com o uso da regra da igualdade para o bônus, agora querem aplicá-la para ter também direito igual à licença. Já os colaboradores com filhos aplicam agora uma outra regra da necessidade, em que os recursos devem ser divididos com base em quem mais precisa. Conseguiu notar a magnitude do problema? Cada pessoa usa um critério ou uma combinação de critérios para construir seus julgamentos de justiça sobre certa alocação de recursos. Esta é a razão pela qual é tão difícil evitar percepções de injustiça. Mas, então, o que fazer?

As pessoas não se importam apenas com os resultados. Quem recebeu o quê. Elas também se importam com a justiça processual, que, em linhas gerais, diz respeito à justiça do processo usado na decisão, independente de quem recebeu o quê. As pessoas foram ouvidas de fato? Esta decisão é consistente com o que foi feito antes? As devidas explicações por trás das decisões foram cuidadosamente comunicadas às pessoas envolvidas? Enfim, o fundamental é o “como” a decisão foi tomada. Seus colaboradores vão julgar a justiça não apenas pelos resultados obtidos, mas pelo modo como as decisões foram tomadas. Parece óbvio, não? Apesar de ser, muitas vezes as lideranças deixam de aplicar o esforço necessário para alavancar este tipo de justiça.

Em um mundo onde tempo é recurso escasso, ouvir opiniões e preocupações, explicar decisões e manter os colaboradores informados demandam tempo e energia. De fato, uma pesquisa recente publicada no Academy of Management Journal mostra que sobrecarga de trabalho das lideranças é um dos motivos pelos quais os gestores não dão a devida atenção a estas “tarefas relacionais”. Com isso, elas acabam sendo desprezadas como secundárias. Evite cair nesta armadilha!

Tenha o cuidado de compartilhar o processo trilhado até chegar no resultado. Isto ajuda a mostrar que as decisões não foram tomadas de forma arbitrária, além de deixar evidente a complexidade dessas escolhas. Você não pode eliminar percepções de injustiça sobre os resultados. Elas fatalmente vão acontecer vez ou outra. Porém, o que você pode e deve fazer é atuar para garantir que as pessoas vejam o processo como justo.

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Crédito da imagem: Business photo created by yanalya – www.freepik.com

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