Por: Guilherme Gobato

Sócio-fundador e Consultor pela Diálogos Entre Nós | Diversidade e Inclusão

Por: Guilherme Gobato

Sócio-fundador e Consultor pela Diálogos Entre Nós | Diversidade e Inclusão

9 abril, 2021 • 4:06

Chimamanda Ngozi Adichie, influente escritora nigeriana, certa vez disse ao final de uma de suas mais conhecidas palestras, que “histórias importam. Muitas histórias importam. Histórias têm sido usadas para expropriar e tornar maligno. Mas histórias podem também ser usadas para capacitar e humanizar”. E nos brinda com a seguinte reflexão final: “quando nós rejeitamos uma única história, quando percebemos que nunca há apenas uma história sobre nenhum lugar, nós reconquistamos um tipo de paraíso”. Ao trazer a vocês o conceito de tokenismo, estabeleço este paralelo da história única. E mostro o porquê de relacioná-lo especificamente à reflexão de Chimamanda.

O conceito de tokenismo emerge em meio à luta pelos direitos civis de pessoas negras durante as décadas de 1950 e 1960 nos Estados Unidos. Em seu livro Por que não podemos esperar? (Why we can’t wait, no original em inglês) de 1964, Martin Luther King discute tal conceito e o tanto que ele ilude sobre a real noção de inclusão por meio de apenas alguns poucos símbolos. Em outras palavras, o token – que significa símbolo em inglês – pode aqui ser compreendido como um esforço superficial de atingir a inclusão de um grupo significativo em sociedade por meio de apenas alguns poucos representantes. 

Em termos práticos, seria como acreditar que no Brasil, que é o país de maior população negra fora de África, encontrarmos algumas pessoas negras em posições de liderança nas empresas daria conta de qualificarmos tais ambientes como inclusivos. Ou, por sua vez, percebermos que poucas mulheres em espaços de decisão seria satisfatório. Ou, mais ainda, uma mulher trans exercendo mandato legislativo já seria suficiente para celebrarmos a plena conquista daquele espaço. O que quero dizer? A representação de um todo por uma pequena parcela é, na vida real, a ilustração clássica do tokenismo. Pessoas negras representam 56% da população brasileira (IBGE); mulheres, 52% (IBGE) e pessoas trans, embora não haja estimativas oficiais, quase não são percebidas para além da prostituição de seus corpos (cerca de 90% dos casos segundo ANTRA).

Ao não corresponder à proporcionalidade do grupo social minorizado em acessos e direitos, o tokenismo presta-se a passar a falsa ideia de que tudo está indo bem, quando na verdade tende a perpetuar as desigualdades que supostamente estaria combatendo. Se somos naturalmente diversos, se o que nos iguala é sermos diferentes e se as desigualdades são construídas social e historicamente ao longo de nossas vivências, nada melhor que assimetrias de poder tais como machismo, racismo, LGBTfobia (e outras) sejam beneficiadas pela aparência no acolhimento às diferenças.

Pérolas a exemplo de “temos lideranças negras, somos inclusivos!”, “aqui nesta empresa as mulheres ocupam postos executivos” ou até “somos LGBT-friendly! Conheçam nossa profissional trans” (no singular) traduzem-se em estatísticas irrisórias de representatividade de tais grupos (pessoas negras, mulheres e trans). Estes símbolos da inclusão – os tokens – são mostrados à exaustão em fotos que ilustram ambientes corporativos, propagandas e espaços diversos de decisão em sociedade.

Isso significa, por exemplo, que toda empresa que hoje tem poucos representantes das minorias sociais (sociais, não minorias no sentido de quantidade) no seu quadro não se importa de verdade com o tema da diversidade e inclusão? Não necessariamente! Se a diversidade é uma jornada, como já explicamos em outros artigos, é claro que vai levar um tempo para a configuração atual do mundo corporativo mudar.

O tokenismo não é uma conta matemática que vai levar em consideração apenas os números de práticas corporativa e de pessoas diversas em uma organização para decidir se a empresa em questão vai ser “cancelada” ou não. Na verdade, o conceito vai além e serve para avaliar como essas práticas e essa representatividade entre os colaboradores é tratada. São ações genuínas, consistentes e usadas para construir uma realidade diferente ou é só “pra inglês ver”? É um compromisso verdadeiro com a causa ou é só uma ação de marketing com fins apenas comerciais? É disso, sobretudo, que estamos falando.

Promover inclusão de diversidades só para cumprir tabela, apenas para satisfazer uma necessidade do mercado, somente de olho no branding, bem, não é promover inclusão de verdade. Por isso a importância de discutir conceitos como o do tokenismo, para ampliarmos o repertório e principalmente para fazermos essa autoanálise. Será que as práticas atuais atendem a necessidade de diversidade? Será que a pluralidade da sociedade se espelha no microcosmo o trabalho? Como esperar que a inclusão de uma pessoa por si só possa dar conta de todo o grupo que ela simboliza se, em essência, somos plurais e diversos? Como fazer diferente para, pouco a pouco, alcançarmos um lugar melhor e mais justos para todos?

É um caminho fácil? Não, mas é possível e certamente necessário. O caminho que nos leva para um espaço de muitas histórias e não das histórias únicas citadas por Chimamanda é um que precisamos trilhar. Alguns podem estar no começo, outros já avançaram mais, o importante é não ficar parado. Continuar! O que me diz? Vamos juntos!

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