Há seis anos, o guru indiano Ram Charam provocou um rebuliço na comunidade de RH ao afirmar em um artigo da Harvard Business Review que era hora de dizer adeus ao departamento de recursos humanos. Intitulado It’s time to split HR (é hora de dividir o RH), Charam escreveu sobre o descontentamento dos CEOs com seus líderes de recursos humanos, propondo um novo desenho para a área. Nas palavras do especialista, os CHROs (sigla para o cargo de Chief Human Resources Officer) se mostravam incapazes de fazer as correlações estratégicas entre pessoas e números, encontrar as melhores posições de acordo com os perfis profissionais e orientar a estratégia dos negócios. A queixa é uma velha conhecida da área: a ineficiência desse profissional em entender e atender as necessidades da empresa.
Bom, as coisas mudaram muito nestes últimos seis anos e podemos dizer que um dos profissionais mais acionados neste mundo pandêmico é justamente o líder de recursos humanos. Se no artigo de 2014, Charam diz que os CEOs não sentiam – na sua relação com o RH – a mesma confiança que nutriam com seus CFOs, agora o jogo parece mudar. Afinal, enquanto o CFO faz as contas para a empresa sobreviver, o CHRO arruma toda a casa para garantir a sobrevivência das pessoas, as responsáveis pela sobrevivência dos negócios.
Do levantamento a jato do grupo de risco à retirada expressa destes funcionários de cena, passando pelo redesenho das plantas fabris e dos escritórios e pela introdução de novas práticas, a área de recursos humanos está envolvida 100% nos rumos da empresa. Ao ter sua presença acionada o tempo todo, o líder de RH tem a oportunidade de virar o principal guia dessa pandemia, apoiando o CEO a traçar novas rotas, ganhando, assim, definitivamente seu espaço. Para quem ainda estava à sombra das grandes decisões, essa é a hora de mostrar sua relevância.
Abaixo, quatro motivos (e oportunidades) que colocam a área de RH no epicentro da organização.
Trabalho remoto x presencial
Uma das principais perguntas que os líderes estão fazendo neste momento diz respeito ao retorno aos escritórios – e todas as implicações que essa decisão irá trazer ao negócio, às pessoas e à cultura. Com o cimento e os tijolos em mãos, o líder de RH tem a grande oportunidade de capitanear essa obra – se apropriando do título de arquiteto da empresa.
Como? Em primeiro lugar, ouvindo as pessoas e entendendo, com base em dados (e não achismos) o que significa fazer home office para cada um. Para alguns, a experiência do trabalho remoto tem sido libertadora. Para outros, assustadora. Fazer esse diagnóstico é o primeiro passo para desenhar a nova casa.
Em segundo lugar, é preciso fazer contas. Supondo que parte da empresa ficará no modelo remoto e parte no modelo presencial, qual estrutura será necessária para trabalhar? Será o caso de manter o ambiente como antes? Readaptar? Mudar de sede?
Em terceiro lugar, é preciso estabelecer uma possível nova rotina para o modelo de trabalho vigente. Se híbrido, quais – e como – serão os pontos de contato com o time? Como esse novo desenho irá modificar a minha comunicação? O verdadeiro arquiteto vai além de escolher a quantidade de paredes que fica em pé ou as cores das almofadas. Ele vai fazer a análise completa das necessidades da “casa”, de acordo com seu momento, com seus habitantes e com seu jeito de viver.
Vírus organizacionais
Ao falar com vários profissionais de recursos humanos, percebo que – para muitos – a pandemia abriu uma estrada livre para eles correrem. Isso porque alguns líderes só se deram conta dos seus próprios vírus organizacionais – aquele conjunto de práticas mofadas que fazem a empresa adoecer aos poucos – ao terem de migrar de forma forçada para um novo mundo do trabalho.
Ao reconhecer que a gestão da empresa era pautada no comando e controle, que seus líderes precisam mudar sua mentalidade e a forma como gerem seus times, e que a burocracia emperrava a inovação, muitos CEOs têm se apoiado no líder de RH para fazer a transformação da sua empresa. Cabe a esse profissional assumir esse protagonismo e indicar, com base em dados e análises, quais os novos rumos que a empresa poderá seguir após a pandemia. Estude cenários, mercado e desenhe aquela transformação que não acontecia pelos vícios do passado.
Cuidado com as pessoas
Cuidar das pessoas já foi considerada função de abraçador de árvore. Papo de psicólogo que queria ver o time feliz sem se importar se aquela felicidade fazia bem para os negócios. Hoje, cuidar das pessoas virou assunto estratégico. Saber como seus profissionais estão – de verdade – significa garantir a sobrevivência da empresa.
Algumas pesquisas revelam que houve um significativo aumento na procura por serviços de terapia, psicologia e apoio emocional durante a pandemia. Boa parte das melhores empresas para trabalhar introduziu ou ampliou esse tipo de cuidado aos seus funcionários – em alguns casos, estendendo a familiares.
Tabu durante anos, temas como depressão, ansiedade, estresse e Burnout começaram a ganhar mais espaço nas empresas nos últimos anos. A pandemia escancarou essas condições e acendeu o alerta amarelo nos líderes: a necessidade de ter um time sadio e saudável para fazer a travessia desse momento.
Neste cenário, mais uma vez, a área de pessoas é acionada para introduzir novas políticas e práticas de cuidado, além de orientar a liderança como agir com suas equipes. De abraçador de árvores, ele passa a ser o guardião da saúde, segurança e integridade das equipes.
Cultura & Liderança
O debate sobre cultura organizacional tem se intensificado nas pautas corporativas. O receio é que o isolamento social e a possível permanência de pessoas em home office possam prejudicar o entendimento das equipes sobre a forma de atuar da empresa, permitindo que cada time aja do seu próprio modo. Se a cultura, na clássica frase de Peter Drucker, “come a estratégia no café da manhã”, a preocupação dos líderes em como mantê-la faz muito sentido. E aqui, mais uma vez, enxergamos uma enorme oportunidade para a área de recursos humanos se destacar.
Num mundo mais fluído, menos hierárquico, mais horizontal e menos presencial, teremos talvez de redesenhar a forma como a cultura é transmitida aos funcionários. Se antes, as paredes (ou, no caso dos escritórios open space, as “não paredes”) tinham o poder de expressar o estilo de cada organização, num ambiente remoto caberá cada vez mais aos líderes transmitir esse comportamento. E caberá ao RH conduzir esses líderes, explicando seu papel e deixando claro qual deve ser seu comportamento diante da equipe.
Num recente artigo publicado por Dave Ulrich e Paolo Gallo, professor da Ross School of Business (University of Michigan) e professor adjunto da Bocconi University , respectivamente, eles afirmam que os gestores de RH são os arquitetos que criam soluções de RH, antropólogos que vislumbram insights de RH, coaches que trabalham ao lado de líderes de negócios e facilitadores que administram os processos de mudança. “O trabalho de RH não é proteger gestores de linha ou livrá-los da responsabilidade; seu trabalho é ajudar gestores, então o papel não é impor procedimentos irrelevantes e desenvolver KPIs, mas agir como coaches”, dizem os autores.
A pandemia catalisou vários processos e mudanças que estavam em curso e vem oferecendo à área de recursos humanos a oportunidade de mostrar seu valor estratégico definitivamente. O líder de RH está com a faca e o queijo nas mãos – basta apenas saber o que fazer com eles.
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