Por: Tatiana Iwai

professora e pesquisadora de comportamento organizacional e liderança no Insper

Por: Tatiana Iwai

professora e pesquisadora de comportamento organizacional e liderança no Insper

5 abril, 2021 • 12:39

Monitoramento de conteúdo de e-mails e mídias sociais. Captura aleatória de telas de computador. Rastreamento de atividade de mouse e teclado. Estas são algumas das novas formas de monitoramento “não tradicionais” que as empresas estão lançando mão para acompanhar sua força de trabalho. Esta tendência já existia antes da pandemia. Em uma pesquisa global da Accenture em 2019 realizada com 1400 executivos do C-level e 10 mil colaboradores apontou que mais de 60% daqueles executivos reportaram que suas organizações estavam fazendo uso intensivo de novas tecnologias para capturar dados sobre seus funcionários. Com a pandemia e o trabalho remoto, a tendência apenas se intensificou.

Mas o que motiva este tipo de coleta de dados? O discurso é bastante variado. Vai desde a necessidade de monitorar e impulsionar produtividade, conhecer melhor a força de trabalho e avaliar o engajamento e a satisfação das pessoas até acompanhar a saúde física e mental dos colaboradores. De fato, sempre que se questiona se este monitoramento não é muito invasivo, há um discurso embutido de preocupação com o bem-estar do colaborador.

Não há como negar que alguns dados coletados podem, sim, servir a este fim. O difícil é explicar por que tirar fotos das telas dos computadores dos funcionários a cada 5 segundos se relaciona com seu bem-estar. Afinal, há uma clara diferença entre fazer uma pesquisa pulse para avaliar periodicamente como o funcionário está se sentindo e monitorar se ele está ausente da frente do computador, ou controlar se ele acessou o Facebook. Por outro lado, não há razão para demonizar este tipo de coleta “não tradicional”. Alguns dados comportamentais coletados, se bem escolhidos, podem ajudar a fornecer importantes inputs para o people analytics da organização. Na mesma linha, estes dados podem gerar informação crítica para avaliação e desenvolvimento dos colaboradores.

Assim, há uma tensão latente aqui. Por um lado, deseja-se saber mais sobre como pessoas e times trabalham para alavancar desempenho, o que demanda certo tipo de rastreamento. Por outro lado, é inevitável a impressão negativa que este tipo de monitoramento é demasiado excessivo, como se estivéssemos em um Big Brother corporativo de mau gosto. Vigilância pura e simples, sem chance de ganhar prêmio algum. O incômodo fica ainda maior se pensarmos que ferramentas de monitoramento estão desalinhados com o atual discurso dominante, que defende estilos de gestão de maior confiança e autonomia e pretende promover uma experiência de trabalho mais rica ao colaborador.

Como lidar com esta tensão? A primeira reflexão importante a se fazer é sobre a real motivação por trás do monitoramento, e o entendimento das consequências de cada escolha. Se o objetivo é simplesmente verificar se os colaboradores estão de fato trabalhando, esteja ciente de que seu sistema de monitoramento mandará um sinal inequívoco de desconfiança a sua força de trabalho. Mais que isso: não há espaço para a construção de relacionamentos baseados em confiança em um contexto de supervisão intensiva.

Confiança é, acima de tudo, se colocar em uma posição de vulnerabilidade em relação ao outro. É se arriscar em relação ao outro, porque você entende que ele ou ela não vai agir de forma a te prejudicar. Portanto, acreditar na intenção positiva da outra pessoa é fundamental no processo de construção de confiança. Porém, sistemas de controle intensivos não permitem a criação deste tipo de percepção, porque mesmo se a pessoa apresentar bons comportamentos, isso possivelmente será creditado à existência do próprio sistema de controle e não à boa-fé e ao engajamento da pessoa.

Porém, se o objetivo não é vigilância, então a próxima questão passa a ser uma comunicação clara dos motivos e uso dos dados, porque sua coleta gera natural desconfiança sobre estes pontos. Por exemplo, a pesquisa da Accenture de 2019 mostra um dado preocupante: menos de 30% dos executivos da amostra relataram se sentir confiantes que os dados coletados seriam usados de forma responsável. Assim, transparência é fundamental para que um sistema de monitoramento seja percebido e experimentado como ferramenta de suporte para uma gestão data-driven da força de trabalho e não como vigilância corporativa. Por que e para quê estão coletando estes dados? Como eles serão usados e armazenados? Quais foram os resultados encontrados? Como estas informações influenciaram o processo decisório? São dúvidas naturais que seus colaboradores vão ter quando se depararem com os novos tipos de monitoramento não tradicionais.

As respostas a estas dúvidas vão determinar quão confortáveis e dispostas as pessoas estarão para compartilhar estas informações. Parecem detalhes irrelevantes dentro desta nova maneira de compreender e gerir sua força de trabalho? Não se engane. São estas ações de implementação cuidadosa e comunicação de duas vias que determinarão a aceitação desta nova iniciativa. Como diz o velho ditado: “o diabo está nos detalhes”.

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