Desvio de função é uma situação que pode comprometer tanto a segurança jurídica quanto o desempenho organizacional. Quando um membro da empresa passa a exercer atividades fora do escopo do contrato sem a devida formalização, abre-se espaço para conflitos trabalhistas, pedidos de indenização e perda de confiança interna.
Por isso, conhecer os direitos e deveres relacionados a esse tema é fundamental para evitar prejuízos e fortalecer uma cultura de valorização, transparência e conformidade.
Neste artigo, vamos mostrar como o RH pode identificar e resolver o desvio de função de forma estratégica, protegendo a empresa e promovendo justiça nas relações de trabalho.
O que é desvio de função?
O desvio de função acontece quando um colaborador passa a exercer atividades diferentes daquelas previstas em seu contrato de trabalho, sem haver mudança formal no cargo ou na remuneração.
Nesse cenário, a legislação protege o profissional, pois entende que mudanças nas atribuições devem ser acompanhadas de atualização contratual. Caso contrário, configura-se uma infração às normas trabalhistas, sujeita a penalidades.
O desvio de função pode ser o reflexo de falhas estruturais na gestão de cargos e salários, na ausência de planos de carreira e na falta de alinhamento entre RH e lideranças operacionais.
É justamente aí que o papel do RH estratégico se torna fundamental para prevenir riscos, promover justiça interna e garantir o bom funcionamento da estrutura organizacional.
Qual a diferença entre desvio de função e acúmulo de função?
No desvio de função, o colaborador deixa de realizar as atividades previstas em seu contrato e passa a executar funções de outro cargo, sem que haja formalização ou reajuste de salário. Já no acúmulo de função, as novas responsabilidades são adicionadas às atividades já desempenhadas, sem substituição.
No acúmulo de função, o colaborador continua fazendo o que foi contratado para fazer, mas acumula tarefas de outros cargos, e isso, da mesma forma, exige compensação adequada, pois amplia a carga de trabalho sem correspondência salarial.
Tanto no desvio quanto no acúmulo de função, a ausência de ajustes contratuais e de reconhecimento formal expõe a empresa a ações trabalhistas, além de comprometer a motivação e a percepção de justiça entre os membros da equipe.
O que pode ser considerado desvio de função??
O desvio de função é caracterizado quando um colaborador passa a exercer, de forma habitual, atividades que pertencem a outro cargo dentro da organização, sem que haja mudança contratual ou reajuste salarial correspondente.
Esse tipo de situação costuma envolver alguns sinais específicos que o RH pode e deve monitorar de perto:
- alteração nas atribuições sem ajuste contratual: quando as tarefas atribuídas ao colaborador não constam na descrição do cargo para o qual ele foi contratado originalmente;
- exercício de funções mais complexas: quando as novas atividades exigem conhecimentos técnicos, tomada de decisão ou autonomia superiores à função original;
- ausência de promoção ou reconhecimento formal: quando não há qualquer reconhecimento oficial, seja por meio de promoção ou aumento proporcional de salário;
- repetição sistemática das novas tarefas: quando não se trata de um apoio eventual, mas o colaborador assume rotineiramente responsabilidades que não lhe cabem.
Por isso, é papel do RH monitorar movimentações internas, revisar descrições de cargos e manter alinhamento constante com as lideranças para evitar que o desvio de função passe despercebido.
O desvio de função é ilegal?
Sim, o desvio de função é considerado uma prática ilegal quando não há formalização contratual que justifique a mudança nas atividades exercidas por um colaborador.
Isso fere diretamente o artigo 468 da CLT, que determina que qualquer alteração no contrato só pode ser feita com mútuo consentimento e desde que não traga prejuízos à parte contratada.
Art. 468 – Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
Quais são os direitos do trabalhador em caso de desvio de função?
Quando é comprovado que houve desvio de função, o colaborador que foi prejudicado tem direito a reparação financeira proporcional às diferenças entre o cargo contratado e a função realmente exercida.
Esse direito é amparado pela CLT e respaldado por diversas decisões dos tribunais trabalhistas. Veja os principais direitos que podem ser acionados:
- diferença salarial retroativa: a empresa pode ser obrigada a pagar a diferença de salário entre o cargo de origem e o cargo efetivamente desempenhado, considerando o período em que o desvio ocorreu.
- reflexos sobre encargos e benefícios: além do salário-base, o valor da diferença pode impactar outros direitos (férias, 13º salário, FGTS, INSS, verbas rescisórias, etc).
- reconhecimento da função exercida: em alguns casos, a Justiça do Trabalho reconhece que o colaborador passou a exercer uma nova função e determina que essa alteração seja formalizada com registro em carteira e salário ajustado.
Para o RH, compreender esses direitos é fundamental para evitar litígios e garantir uma gestão de pessoas mais justa e estratégica.
Como identificar o desvio de função na empresa?
Detectar o desvio de função não é uma tarefa imediata, especialmente em estruturas organizacionais com baixa formalização de cargos. No entanto, com uma atuação mais analítica, o RH pode mapear indícios, cruzar dados e agir com base em evidências concretas.
Quanto mais estruturado for esse diagnóstico, menor o risco de exposição jurídica e maiores as chances de correção estratégica.
Alguns dos principais sinais que podem indicar que há desvio de função acontecendo na prática são:
- quando um colaborador começa a executar rotineiramente atividades que não constam em sua descrição formal de cargo.
- quando o colaborador passa a tomar decisões que antes eram atribuídas a um nível superior ou a substituir com frequência outro cargo.
- quando existem reclamações recorrentes sobre tarefas “fora do combinado” ou falta de valorização.
Identificar o desvio de função é o primeiro passo para corrigi-lo. O RH que atua com foco em dados, escuta ativa e processos bem definidos está mais preparado para proteger a empresa e valorizar os talentos de forma justa.
Quais as consequências do desvio de função para a empresa?
O desvio de função impacta diretamente a sustentabilidade jurídica, financeira e cultural da empresa.
Afinal, quando negligenciado, ele pode desencadear uma série de consequências que comprometem o desempenho do negócio e a confiança da equipe. Alguns dos principais efeitos dessa prática são:
- risco de ações trabalhistas: colaboradores podem ingressar com processos judiciais pleiteando diferenças salariais, reconhecimento de função e indenizações por danos morais, aumentando o passivo da organização;
- obrigação de pagamento retroativo: a empresa pode ser condenada a pagar as diferenças salariais relativas aos últimos cinco anos, incluindo reflexos em férias, 13º, FGTS e verbas rescisórias;
- perda de confiança na liderança: a ausência de reconhecimento formal prejudica a percepção de justiça interna, gerando desmotivação e desconfiança em relação aos gestores e ao RH;
- aumento do turnover: colaboradores que percebem que estão sendo sobrecarregados ou injustiçados tendem a buscar outras oportunidades, impactando diretamente a retenção de talentos.
- clima organizacional deteriorado: a sobreposição de funções sem clareza ou critérios pode gerar insatisfação generalizada, afetando o ambiente de trabalho e a colaboração entre áreas;
- comprometimento do employer branding: casos recorrentes de desvio de função fragilizam a reputação da empresa como marca, afastando talentos qualificados e dificultando o processo de atração;
- insegurança jurídica e falhas de compliance: a prática fere diretamente o princípio da legalidade contratual e pode ser identificada em auditorias, fiscalizações e processos internos de compliance trabalhista.
O custo do improviso é alto. Quando a empresa não formaliza mudanças de função, abre brechas que afetam sua operação em diferentes frentes e que poderiam ser evitadas com uma gestão de pessoas estruturada.
Como as empresas podem evitar o desvio de função?
Prevenir o desvio de função exige uma atuação proativa do RH em diversas frentes. O ponto de partida está na formalização: descrições de cargo atualizadas, trilhas de desenvolvimento bem definidas e processos claros para movimentações internas reduzem as chances de alocação inadequada de responsabilidades.
O diálogo constante com lideranças operacionais permite antecipar decisões improvisadas que, se não forem acompanhadas de ajustes contratuais, podem expor a empresa a riscos legais.
Outro fator importante é o uso de tecnologia para mapear atividades reais, analisar dados de desempenho e identificar alterações nas rotinas que indiquem possíveis desvios. Com visibilidade e embasamento técnico, o RH consegue tomar decisões com mais segurança e justiça.
Para completar, cultivar uma cultura organizacional baseada em reconhecimento formal, comunicação transparente e valorização da jornada de crescimento contribui para que mudanças de função aconteçam de forma estruturada — e não como improvisos que comprometem a gestão de pessoas.
Qual o papel do RH ao descobrir desvio de função?
Quando o RH identifica um caso de desvio de função, seu papel vai muito além de apenas corrigir o erro. É nesse momento que a atuação estratégica se destaca: compreender as causas, avaliar os impactos, dialogar com as lideranças e propor soluções que fortaleçam a estrutura organizacional.
O primeiro passo é entender o que mudou na prática, comparando as atividades previstas na descrição de cargo com as tarefas exercidas no dia a dia, verificando há quanto tempo o desvio ocorre e analisando se houve alterações na remuneração, jornada ou nível de responsabilidade.
A partir disso, o RH deve alinhar-se com o gestor direto, pois, muitas vezes, o desvio nasce de demandas operacionais urgentes, e não de má-fé. O diálogo com a liderança é essencial para entender os motivos da mudança, esclarecer os riscos envolvidos e traçar um plano conjunto de regularização, seja por meio de ajuste contratual ou redistribuição de funções.
Com base na análise, o RH pode formalizar a mudança de cargo e salário, iniciar uma trilha de desenvolvimento que leve à promoção estruturada ou reorganizar a equipe para melhor distribuição de tarefas, sempre com documentação e critérios objetivos.
Por fim, mesmo após a regularização, é fundamental acompanhar o caso. O RH deve observar a adaptação do membro da empresa, avaliar o impacto no clima da equipe e monitorar, com base em dados, se a nova estrutura está funcionando com eficiência.
Combater o desvio de função exige mais do que atenção aos aspectos legais. É um movimento que passa por reconhecimento, estruturação de cargos, alinhamento entre liderança e RH e, acima de tudo, pela valorização real das pessoas dentro da organização.
Se esse tema despertou reflexões por aí, vale aprofundar a discussão. Acesse o nosso conteúdo sobre como a desvalorização profissional pode ser um mal silencioso na sua empresa e entenda como atitudes sutis podem impactar a motivação e os resultados da sua equipe.
Em resumo
O que é desvio de função?
É quando um colaborador executa, de forma habitual, tarefas que não pertencem ao seu cargo original, sem alteração contratual ou salarial.
Qual a diferença entre desvio de função e acúmulo de função?
No desvio, o colaborador substitui suas atividades originais por outras de um cargo diferente. No acúmulo, ele mantém suas funções e ainda executa outras, acumulando responsabilidades.
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