Por: Isabel Weiss

psicoterapeuta cognitiva pela USP, PhD em Ciências pela Unifesp e instrutora de Mindfulness pela UCLA

Por: Isabel Weiss

psicoterapeuta cognitiva pela USP, PhD em Ciências pela Unifesp e instrutora de Mindfulness pela UCLA

7 janeiro, 2021 • 3:13

Passamos a contabilizar o tempo em ciclos de um ano por volta de 700 a.C. Inicialmente, esse cálculo foi adotado pelos atenienses e, posteriormente, pelos romanos, oficializado desta forma em 1582 pelo Papa Gregório XIII. A partir daí, a medida se tornou o padrão e, com base nisso, nos dizemos “mais velhos” a cada 365 dias, além de definirmos novas metas e propósitos a cada virada de ciclo.

Na verdade, sabemos que a cada novo dia somos convidados a fazer diferente ou a buscar novos rumos, no entanto nossa tendência muitas vezes é de repetirmos padrões já conhecidos e dominados, ainda que estes nos conduzam aos mesmos caminhos indesejáveis de sempre.

Daí esperamos a virada de ano para ver o que futuro tem reservado para nós, como se algo mágico fosse acontecer e mudar tudo a despeito de nosso empenho e planejamento. O que vivemos em 2020 pode ter servido de aprendizado a muitos de nós em relação ao viver consciente. Vou explicar…

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Antes da pandemia da Covid-19, tínhamos por hábito alimentarmos pensamentos relacionados ao futuro, nos tornando muitas vezes ansiosos, estressados, instáveis e insatisfeitos. Claro, é importante pensar no futuro e planejá-lo até certo ponto, porém a realidade da pandemia na qual ainda estamos inseridos nos ensinou também a importância de nos mantermos ligados ao presente, uma vez que diante de um desafio precisamos lançar mão de recursos imediatos disponíveis à consciência. A mente que vagueia se torna vulnerável a alterações de humor e, com isso, menos habilitada aos enfrentamentos necessários, conectada a acontecimentos passados ou querendo antecipar e controlar o incontrolável.

Planejamos sobre aquilo que podemos mudar e conduzir, mas devemos estar atentos à programação que muitas vezes se diferencia do planejamento pelo fato de se criar uma espécie de compromisso em relação aos desfechos, com pouca flexibilidade diante de adversidades e mudanças. Se nos mantivermos conscientes e ligados ao presente estaremos à princípio mais atentos e abertos aos imprevistos, aceitando-os como parte do processo e sofrendo menos o impacto destes sobre nossa saúde mental.

A felicidade agora

Matthieu Ricard, francês de 74 anos, doutor em Biologia Molecular e monge budista, autor de vários livros já consagrados, após ser submetido a exames de ressonância magnética juntamente com muitos outros participantes de uma pesquisa que verificava níveis de estresse e de felicidade, foi considerado pelos cientistas da Universidade de Winsconsin, nos Estados Unidos, como “o homem mais feliz do mundo”. Os resultados dos testes de Ricard superaram não somente os demais participantes como os próprios limites do estudo. E o que isso tem a ver com o que vivemos em 2020 e com viver de forma consciente?

Tudo começou devido ao interesse do famoso neurocientista daquela universidade, Richard Davidson, que dedica suas pesquisas a descobrir o que está envolvido nos mecanismos da felicidade através de exames de imagem cerebral avançados, examinando interações da córtex pré-frontal e das amígdalas cerebrais na regulação das emoções. Davidson aponta que gentileza, ternura e bondade podem ser treinadas, principalmente através da meditação, e são habilidades que podem trazer à consciência um sentido de estarmos por aqui, como explica Daniel Goleman em seu livro “A Ciência da Meditação”. Ou seja, traços que nos ajudam estar no presente e vivenciá-lo de maneira mais consciente, equilibrada e harmônica, orientados à coletividade.

Em 2020, aprendemos que seria um dia de cada vez para vencermos os obstáculos e que, devido às incertezas do amanhã, não adiantava muito fazermos grandes projeções. E, assim, caminhamos. Muitos desafios foram vencidos, a começar pelo próprio reconhecimento do vírus (e suas mutações…) e a descoberta da vacina, passando por todas as adaptações que fizemos no trabalho e em nossa vida pessoal. Tivemos que empreender e fazer mudanças rapidamente. O que nos permitiu sair da perigosa “zona de conforto”, sem dúvida, foi a exploração de recursos disponíveis à nossa consciência, que realmente só se disponibilizam se a mente estiver no presente e não no emaranhado entre pensamentos de futuro e passado.

Uma mente “distraída” não é uma mente feliz, afirmam estudiosos de Harvard que acompanharam 5.000 voluntários entre 18 e 88 anos por meio de um aplicativo de celular. O objetivo era checar o estado de humor das pessoas, relacionando-o ao estado da mente enquanto os participantes executavam em torno de 20 atividades cotidianas. Uma das descobertas do experimento é a de que, em 46,9% do tempo, a mente vagueava, principalmente em atividades como descansar, trabalhar e usar o computador – e, nestas condições, as pessoas se mostravam “menos felizes”. Por outro lado, elas se percebiam mais felizes enquanto realizavam atividades em que a mente estava no presente, como fazer sexo, fazer atividade física ou se engajar em uma boa conversa.

Consciência e coletividade

O advento da pandemia nos deparou com a realidade de que precisamos estar juntos e presentes, neste caso a superação não é pessoal, e, sim, coletiva. Matthieu Ricard nos diz que o cultivo de qualidades como altruísmo e compaixão, resiliência e equilíbrio emocional estão na base do segredo de uma vida feliz, pois nos tornam gentis e benevolentes, gerando um círculo virtuoso que se retroalimenta.

Como o próprio Papa Francisco compartilhou em uma mensagem na virada de 2021: “nós não sabemos o que 2021 vai nos reservar, mas o que todos podemos fazer juntos é um pouco mais de esforço para cuidarmos uns dos outros. Existe a tentação de cuidarmos apenas de nossos interesses”. O pontífice fez referência ao fato de muitos terem ignorado os números alarmantes de mortes pela Covid-19 e terem se aglomerado nas festas de final de ano mundo afora, reforçando este mesmo ponto que já abordamos por aqui: não venceremos sem consciência.

Resgatamos nosso sentimento de altruísmo quando exercitamos a consciência plena (mindfulness) e isto, por sua vez, pode nos levar ao senso de pertencimento e de empatia. Ambos são fundamentais sempre, mas essenciais nos dias de hoje, em que enfrentamos também o combate ao individualismo, como bem demonstrado no documentário “Em busca do bem estar”, com Matthieu Ricard, monge budista citado acima. Neste conteúdo exibido pela Netflix, Ricard lembra que é por meio dessa consciência plena – cuja conquista não se restringe aos monges budistas com milhares de horas de meditação acumulados – que a felicidade genuína pode estar ao alcance.

A mente consciente nos permite dar sentido ao presente através do que eu posso fazer para contribuir com quem está próximo de mim, assim como me alegrar ao perceber que posso abrir mão de meus desejos e apegos em razão de um bem comum. Tudo isso gera gratidão, que por sua vez gera ação e esperança e mais saúde mental.

Um novo ano com consciência plena é o que desejo a todos, pois não haverá uma virada repentina, que independa de cada um de nós, nem mesmo poderemos atribuir a superação exclusivamente à vacina, como os próprios cientistas afirmam e como discuto em meu podcast no último episódio do ano. Somos corresponsáveis pelo processo de imunização, uma vez que somos 7 bilhões e meio de pessoas e o processo não será simples e nem uniforme. Que em 2021 possamos exercitar a consciência do momento presente, que é rica em possibilidades, capaz de nos tornar mais felizes quando nos liberta de padrões, traços e projeções mentais. Que, assim, sejamos mais capazes nos enfrentamentos coletivos.

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Crédito: imagem de Free-Photos por Pixabay

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