Por: Tatiana Iwai

Professora e pesquisadora de comportamento organizacional e liderança no Insper

Por: Tatiana Iwai

Professora e pesquisadora de comportamento organizacional e liderança no Insper

26 janeiro, 2022 • 3:45

Por mais paradoxal que pareça, nosso engajamento de longo prazo demanda sermos capazes de nos desvincular mentalmente do trabalho. Quando? Durante nosso período de folga. Parece de uma obviedade constrangedora dizer que, fora do nosso horário de trabalho, não deveríamos estar trabalhando ou pensando em trabalho. Mas a realidade é que é exatamente isso que fazemos. Acordamos e uma das primeiras coisas que fazemos é olhar e-mails. Trabalhamos de final de semana para “adiantar” a semana seguinte (ou recuperar aquilo que não pôde ser feito durante a semana anterior). Vamos dormir e estamos ainda ruminando sobre como lidar com aquele fulano complicado no trabalho ou sobre como avançar naquele projeto difícil e atrasado. 

Cada vez mais, parece que estamos continuamente ocupados com questões de trabalho (seja de noite, nos fins de semana ou em nossas férias) sem sermos capazes de nos desvincular mentalmente dele de tempos em tempos. E isto é exaustivo. Daí a importância do psychological detachment. Ele envolve se abster de atividades (não responder mensagens de trabalho antes de dormir) e pensamentos (temporariamente esquecer daquele problema no trabalho) relacionados ao trabalho durante os períodos de folga. Seria algo como nos desconectar mentalmente do trabalho ou simplesmente “desligar”. E isso nem de longe está relacionado a uma atitude desengajada em relação ao trabalho. Pelo contrário, é fundamental sermos capazes de nos desligar do trabalho ao final do dia para nos sentir revigorados e nos reconectar no dia seguinte. Mais que isso, há um conjunto consistente de pesquisas longitudinais que aponta que este distanciamento mental está ligado a maior bem-estar geral, menores taxas de burnout e maior performance no trabalho ao longo do tempo. Ou seja, não ser capaz de se desligar mentalmente hoje vai cobrar seu preço de maior exaustão e menor satisfação e produtividade no médio e longo prazo.  

E isto é ainda mais crucial se consideramos que várias organizações estão migrando para modelos de trabalho híbridos e que, portanto, o trabalho remoto passa a fazer parte permanente da nossa rotina produtiva. Trabalhar de casa traz benefícios indiscutíveis de flexibilidade de local e tempo. No entanto, a flexibilidade desorganizada cobra uma fatura. “Trabalhar de casa” pode rapidamente se transformar em “dormir no local de trabalho” com uma sensação de jornada de trabalho sem fim. Por mais que o deslocamento casa-trabalho-casa seja um fardo, ele funciona também como um ritual físico que demarca o trabalho da vida pessoal. Durante o trajeto para casa, naturalmente vamos nos desligando mentalmente do trabalho. Quando paramos de nos deslocar, perdemos automaticamente esta membrana que separa os mundos corporativo e pessoal, que parecem agora mais borrados e sobrepostos. Ou seja, com o remoto, é mais difícil se desvincular do local de trabalho, porque ele agora coexiste dentro do nosso lar.  

Além disso, estudos que acompanharam times remotos ao longo da pandemia mostraram que o trabalho remoto não apenas aumentou nossa jornada de trabalho, mas a tornou mais distribuída, espalhando-se para além da tradicional jornada das 9h-18h. Ou seja, com a flexibilidade do remoto, as pessoas estão trabalhando em horários menos usuais (logo cedo pela manhã, tarde da noite ou de madrugada), de acordo com suas preferências e dinâmicas familiares. Com isso, seja na frente do computador ou com nossos celulares na mão, somos bombardeados por mensagens e e-mails com demandas e problemas de trabalho a qualquer hora do dia. Em uma cultura de estar “sempre online” e a expectativa disseminada de respostas imediatas, ficamos com a noção de que o dia de trabalho nunca acaba e é muito mais difícil fazer este desligamento mental. 

Assim como aprendemos inúmeras habilidades, precisamos também desenvolver nossa habilidade de desligar e religar no trabalho a cada dia. Do ponto de vista individual, podemos cultivar pequenos hábitos que criam rotinas para estruturar e delimitar o fim da jornada de trabalho, seja se engajando em atividades prazerosas e não relacionadas ao trabalho (atividades físicas ou hobbies, por exemplo) ou se disciplinando para desligar notificações de mensagens a partir de algum horário do dia. Tarefas não finalizadas também são experimentadas como altamente estressoras, levando à ruminação fora do horário de trabalho. Como é impossível evitá-las pela alta carga de trabalho e imprevistos a que estamos sujeitos, uma possiblidade seria tentar quebrar estas tarefas em componentes menores, que podem ser realizados em um dia e facilitam se desligar mentalmente do trabalho ao final do dia.  

Mais que uma tarefa individual, porém, é responsabilidade organizacional fornecer suporte aos colaboradores no processo de psychological detachment. E isso vai bem além de enviar comunicados institucionais de autocuidado ou incentivar os colaboradores a meditarem ou praticarem ioga. Várias pesquisas apontam para o papel central das lideranças no processo de desligamento mental. Afinal, são as lideranças que dão o tom da dinâmica do time e criam as normas sociais sobre quais são os comportamentos esperados e desejados de um colaborador. Até que ponto você não está sinalizando ao seu time (ainda que não intencionalmente) expectativas de que eles estejam sempre disponíveis como se isso fosse um indicativo de engajamento? Até que ponto você não está nutrindo um clima de altíssima pressão por resultados que impede que as pessoas se permitam desligar do trabalho na sua folga? Você pode pensar: “mas nesta empresa, prezamos pelos resultados”. Como diria uma sábia colega minha com anos de experiência executiva: “eu não conheci até hoje alguma empresa que não prezasse por resultados”. Não é possível que a única maneira de encorajar alta performance seja esgotando e exaurindo as pessoas no trabalho. Como gestores, podemos e devemos ser capazes de fazer melhor que isso. 

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