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24 outubro, 2018 • 3:57

por Daniela Diniz, de Syracuse, NY.

Estou vivendo nos Estados Unidos por um período com minha família. Enquanto meu marido faz um pós-doutorado na Syracuse University e eu experimento um novo meio de trabalhar (flexível, remoto, com liberdade), como já escrevi aqui, meu filho de oito anos estuda no terceiro ano da Elementary School (o nosso Fundamental). E é sobre as lições da sala de aula dele que quero escrever hoje. Porque é na infância que se observa a base de uma cultura.

Praticamente todos os dias, meu filho chega entusiasmado das aulas – que começam às 8h20 quando ele entra no ônibus escolar – e terminam às 16h quando ele desce do ônibus. Neste intervalo, ele tem as aulas das matérias clássicas, como inglês (com muita ênfase à leitura), matemática, ciências, estudos sociais. Ele também tem aulas de música, artes e tempo de biblioteca. No caso do meu filho ainda há as aulas especiais para os estudantes que têm o inglês como segunda língua. E, claro, as atividades esportivas. No meio de tudo isso, algumas recreações culturais – como peças de teatro – e um estímulo à socialização em outras turmas. Outro dia, ele chegou empolgadíssimo pois teve “aula” no kindergaten – e me explicou que era para apenas passar um tempo vendo como as “criancinhas” aprendiam e ajuda-las nas tarefas mais simples. Uma espécie de job rotation infantil.

Mas o que mais me tem chamado a atenção é o estímulo diário à meritocracia. Na sala de aula, cartazes sobre recompensas vindas do esforço estão por todos os lados (segue um exemplo abaixo como ilustração) e elas acontecem na prática, todos os dias. As crianças recebem “tokens” à medida que se destacam nas tarefas: arrumar o material, não falar durante algumas atividades, responder perguntas, ser o primeiro a chegar na roda e por aí vai. A cada boa conduta ou acerto nas respostas, um token. Quando você chega a dez tokens, você pode troca-lo pelo super prêmio. A recompensa está guardada numa caixa e você só pode saber o que tem lá dentro quando chegar sua vez de trocar. Além disso, há algumas espécies de ranking nas salas – não se destacam os últimos, mas se valorizam os primeiros. Quando você se destaca muito num dia, vira um rock star e ganha mais tokens que o normal.

cartaz sobre recompensas vindas do esforço
Lema da sala de aula do terceiro ano de uma escola americana: “Nós vamos trabalhar duro; Nós vamos conseguir; Essa é a nossa promessa; Esse é o nosso credo”.

 

Isso tudo tem me feito refletir sobre o poder da meritocracia, a formação – ainda na infância – do conceito de winners e loosers, a competição – saudável? por ser o primeiro, o mais rápido, o melhor – e, consequentemente, o perfil de um povo. Até o momento, meu filho tem adorado a “brincadeira” – sim, pois nesta fase, ao menos ele ainda está levando tudo na brincadeira. E, com nove tokens, tudo que ele espera é ganhar mais um para trocar pelo seu super prêmio. E eu fico perguntando o tempo todo – como ficam os com menos tokens? Os que não aparecem nos rankings? Os últimos?

Ao conversar com aqueles que – em tese – estão acostumados a essa cultura e ler vários artigos sobre a questão da meritocracia nas escolas americanas, a crítica é mais severa do que positiva. Alguns estudos buscam comprovar que o estímulo ao ranking (e às famosas curvas forçadas que conhecemos bem do mundo corporativo – e que também são aplicadas por aqui) costumam afetar drasticamente o comportamento e a autoestima dos alunos entre a Middle e a High School (ou seja, quando chega a adolescência). Alguns estudos sugerem que não existe meritocracia real – muitos creditam a meritocracia a um mito – pois, no final das contas saem na frente não apenas os que “se esforçam mais”, mas o que “nasceram melhor”. Ou seja, a linha de partida – embora na teoria seja a mesma (todos os alunos da mesma sala com praticamente as mesmas idades) – acaba sendo muito diferente. Uns já estão à frente – muito à frente, a depender da cultura dos pais, das condições financeiras e das oportunidades oferecidas e valorizadas pela família.  A chance, portanto, desses alunos ganharem mais tokens e, consequentemente, mais prêmios e destaques em rankings será maior. Sempre. Simples assim. O sistema educacional americano exibe o conceito de “justo” – a regra vale para todos e os mais esforçados vencem. Será mesmo justo?

Essa é a primeira reflexão que proponho. Segundo alguns especialistas em educação norte-americanos, quando as consequências começam – de forma pesada – a aparecer na adolescência dos grupos menos favorecidos, o sentimento instaurado é de que não há justiça alguma. Ao contrário. De super justo e democrático, esse sistema acaba sendo rotulado como totalmente injusto e favorável a minorias privilegiadas. O que desencadeia comportamentos nocivos na sociedade como um todo.

A outra reflexão que sugiro é sobre a análise comportamental dentro do sistema meritocrático. Se por um lado, o conceito da meritocracia traz argumentos racionais e objetivos – eleger ou reconhecer os melhores de acordo com as metas acordadas – por outro lado, ela escorrega ao analisar valores – esses sempre mais difíceis de serem medidos. Por aqui, ainda não vi ninguém ganhar token por ter ajudado o colega em alguma atividade ou por ter colocado o interesse da sala de aula (ou da escola) à frente do seu próprio. E, na minha opinião, esse é o grande desafio da meritocracia e dos modelos de avaliação de desempenho que visam separar os grupos entre melhores, medíocres e piores.

Ao distribuir tokens de acordo com suas metas objetivas (ou suas OKRs alcançadas) corremos o risco de 1) perpetuar um falso sentimento de justiça ao acreditar que todos estão no mesmo barco, sabendo que os iguais não existem, pois cada um tem sua própria história de vida e tempo de desenvolvimento e 2) esquecer de equilibrar a balança com os valores e princípios que a companhia preza.

A consequência é perigosa para ambos os lados, especialmente numa época em que a relação entre empregado e empregador está mais pautada em princípios do que em números. Uma escorregada no lado subjetivo da história pode arranhar a reputação do profissional e da empresa. Recentes casos de desligamentos como o dos diretores e presidente da Salesforce no Brasil e da quase estagiária da NASA que usou um linguajar para lá de chulo no twitter ao comemorar sua entrada na companhia estão aí para provar isso. Eles passaram nos testes numéricos com louvor. Não passaram no teste de valores. Afinal, os melhores nem sempre são – de fato – os melhores.

O vídeo abaixo, do The School of Life, explica um pouco mais o conceito da meritocracia e faz um questionamento sobre esse sistema x justiça. Confira!

 

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3 Comentários

  • Postado por: Marcelo Edgard de Castro Faria •

    Creio que o sistema de meritocracia não causa injustiças. A vida é cheia de diferenças. Nos EUA, o melhor em ciências e matemática conseguirá uma vaga na NASA, mas o melhor em colocar a bola na cesta ganhará uma vaga no time do Lakers e certamente mais dinheiro.
    Somos diferentes sim, e cada pessoa pode ser melhor numa coisa do que em outra. Os melhores em cada categoria de atividade, certamente será mais reconhecido e recompensado.
    O importante é a escola criar oportunidades para as pessoas identificarem suas aptidões e desenvolve-las.
    Com relação a valores, creio que todas as atividades (escolares e profissionais) devem considerar e desenvolver a ética e o respeito ao próximo.

    • Postado por: Daniela Diniz •

      Marcelo, muito obrigada pelo seu comentário! Esse é um tema que tem rendido muita polêmica por aqui, nos Estados Unidos. Assim como você, tem uma boa parte das pessoas que acredita que a meritocracia é sim um sistema bastante justo, uma vez que dá as mesma oportunidades para todos e reconhece quem as aproveitam melhor. Outra parte, porém, crescente entre os estudiosos da educação infantil, acredita que os alunos não têm a mesma oportunidade, na realidade, pois chegam com diferentes graus de maturidade educacional, financeira e emocional na sala de aula. Ou seja, a linha de partida, segundo os críticos da meritocracia, não é igual. De toda forma, esse é ainda um sistema muito utilizado nos meios acadêmicos (até a faculdade) e bem aceito pela sociedade americana de forma geral.

  • Postado por: Dionis Leite •

    Sei que este poste e antigo Mas gostaria de deixar minha opinião

    Fiquei impressionado com a atitude deles mas eles querem mais e estímulos dos alunos pois quando eles atingem metas esse tokens e como um reconhecimento de seus esforços recompensado por um premio, Refletindo bem as notas no boletim também são um premio uma recompensa por seus esforços.
    isso também um reconhecimento de suas capacidades e infelizmente algumas crianças nascem com dons diferentes dos outros e não se destacam e isso e um grande estimulo para que eles alcácem bom resultados independente da classe social .

    Veja um pouco a minha experiencia e Historia

    Em 1998 eu estudava na 3 serie em uma escola Londrina – PR BRASIL, e ganhávamos estrelinhas carimbada no nosso caderno quando realizamos as tarefas ou fazíamos os trabalhos e quem se destacava recebia uma super estrela dourada colada no caderno e tinha seu nome num quadro mas eu não conseguia o mesmo nunca recebia tão grande estrela e não recebia nem mesmo a pequena pois as vezes não realizava minhas tarefas escolares pois meus pais não estimulavam eu a fazer tarefas por serem analfabetos e muito pobre não tínhamos dinheiro nem pra compra de um lápis, esse sistema me estimulava a fazer o melhor a querer ganhar a estrelinha, batia o sino da escola eu não queria ir embora e ficava la outras vezes ficava la copiando matéria que professora tinha passado no quadro ate 2 horas depois, pois eu não acompanhava as outras crianças, e tudo isso era um estimulo para min querer aprender e estudar, cada semana quando se completava todas as tarefas independente de quem fez certo ou errado era garantido sua estrelinha, aqueles que acertavam tudo e cumprira suas tarefas tudo certinho ganhavam uma estrela maior nunca me senti constrangido, me sentia incentivado a ganhar mais estrelas eramos estimulados a reconhecer quando alguém fez um bom trabalho todos iao ver o caderno do aluno que acertou tudo e ficávamos felizes por isso e gritávamos o nome daqueles que se destacaram nunca me senti menor podia ficar triste quando não fazia a tarefa mas a cada dia era um estimulo pra min fazer e hoje reconheço como isso foi importante pra min.

    E sinceramente daqueles que ganhavam as estrelinhas e ate todo os prêmios e tinhão condições ate melhores que a minha e de outros amigos hoje na sociedade sinceramente não se destacam igual a outros amiguinhos que não ganhavam estrelas nem tem cargos de nome e são frustradas cupão o governo o estado cupão todos.

    Atualmente eu era gerente de uma empresa cheguei no cargo que eu queria e tinha tudo para subir mais degraus quando cheguei e decidi que o premio não e o cargo mas sim ser útil a sociedade se sentir importante eu era o atrasado em tudo aquele que tinha tudo pra dar errado e deu certo graças a uma instituição municipal minha família amigos professores eu hoje sou um empresario.

    E os outros que se destacavam hoje não tem nenhum cargo de nome e nem faz questão de ser melhor na sociedade infelizmente alguns deles não pensão em si e nem na sociedade e trabalhão em serviços que não e necessário nem um tipo de estudo avançado ou qualificação de uma escola inteira daqueles que os pais tinhão estruturas apenas 5 dos que se destacavam são pessoas bem sucedidas antes dos 30 os outros não fazem questão de ser melhores e sinceramente são pessoas que não fazem nada de benefícios em prol dos outros ate mesmo a família.

    E os outros amiguinhos que não se destacavam alguns hoje são engenheiros civil, elétrico e mecânico outro mecânico de aviação gerente de banco, gerente de empresa automotiva, medico, empresários, policial federal, professores e músicos.

    E são pessoas que sairão de famílias pobres felizes e mais realizadas que os outros e quando encontro eles sempre digo somos resultado do nossos esforços pois escolhemos ser o que somos hoje através dos nosso esforços podemos mudar o mundo.

    Todo ato tem uma consequência seja ela boa ou ruim.

    Quanta diferença social das famílias que conheço convivi e conheci e hoje quando olho pra queles que um dia estudei com eles fico muito triste pois tinhão tudo pra dar certo e o que aconteceu ao meio do caminho.

    Conheci pessoas e famílias com estruturas melhores que a minha e seus filhos estudavam em escola particular eles tem status apenas não tem uma vida bem sucedida.

    Não podemos culpar o sistema nem o próximo se tem alguém culpado primeiramente eu pois eu sou responsável pra onde vou e enxergo a meritocracia como um premio para min que nasci no sitio meus pais analfabeto lutei com meus esforços mesmo diante da pobreza da miséria não ter nem onde morar ter que viver de favor na casa dos outros ter vontade e desejos que nem minha família nem a sociedade pode suprir, só o tempo curou as marcas e ser o que sou hoje se não fosse o mérito dos meus esforços não seria o que sou hoje nem minha irma que teve uma realidade um pouco pior que a minha ser doutora em filosofia formada pela faculdade federal do Brasil.

    O conceito — mistura da palavra latina meritum, “mérito”, com o sufixo grego cracía, “poder” — sugere que o sucesso é determinado única e exclusivamente pelo esforço pessoal.
    Desse modo, se as melhores posições são ocupadas pelos indivíduos com mais mérito, isso resulta em que, aqueles que não obtiveram sucesso devem assumir inteiramente a responsabilidade por seu fracasso, e possível interromper o círculo da miséria apenas através do próprio esforço como vivido por min e minha irma.

    Pois a ascensão profissional ou social depende exclusivamente do esforço individual, e as oportunidades que cada indivíduo tem ao longo da vida quem faz e o mesmo através de seus esforços.

    “A meritocracia. Ela Faz muito sentido pra min independente da sociedade sou prova viva e conheço muitas pessoas bem sucedidas mesmo que viveram em situações desigual e sem oportunidades educacionais, econômicas e sociais e piores que a minha, que hoje muitas vezes são criticados pela sociedade e ainda tomão nome de ladroes, riquinhos, e oportunistas, tenho do dessa sociedade pobre de mente que acha que todos que estão no topo roubara para estar la e essa mesma sociedade que acusa aqueles que conheço dormem ate tarde reclamam de tudo e querem exigir seus direitos, o único direito que tenho e viver o agora como se não ouve-se o amanhã.

    me conta sua experiencia como foi pois sei que este poste e de 2018

    Só Enxergamos aquilo que queremos ver essa e minha opinião sobre o que vivi.

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